por Maria Eduarda Frota Jorge João
Ser mulher dentro do campo acadêmico de Relações Internacionais é sem dúvida um
processo complexo. Afinal, sabemos que “tudo é político quando se é uma mulher”.
Portanto, ao adentrar na área, compreende-se o papel do gênero no sistema internacional e
acaba-se expondo a nível macro problemas que em sua maioria são internalizados na
sociedade de forma micro antes de atingir grandes proporções. E isso exige muito zelo, pois
é expor para o sistema lacunas estruturais criadas pelo seu próprio desenvolvimento.
Portanto, ao pensar na docência de relações internacionais de forma generificada,
acabamos nos deparando com a realidade que abrange, mesmo que de forma velada,
todas as interações que envolvem ser mulher: o papel do patriarcado na formação da
sociedade moderna e como isso afeta a nós, mulheres, em nossa construção pessoal e
social.
Dentro disso, existem muitas teorias para se discutir o feminismo nas R.I. A teoria feminista
que começou a ganhar relevância no terceiro debate e sua varias autoras são sem dúvida
de primordial importância para entender o papel da mulher no internacional. Cynthia Enloe,
Judith Butler, entre tantas outras. No entanto, nessa dissertação, o foco não é discutir sobre
as teorias e suas aplicabilidades nos mais diversos eventos do S.I. Este texto é um olhar
sobre a docência acadêmica de relações internacionais a partir do olhar de uma jovem
internacionalista, latina e amazônida, que tem desde o começo na maioria de suas
referências professoras e figuras femininas. Que vê a luta diária por espaço e sabe a
importância e o que significa ver essas mulheres ocupando esses espaços. Que se sente
representada pelas vitórias delas e se inspira e acha forças nisso todos os dias.
Afinal, já existem muitos requerimentos só para ser mulher. Exige coragem para se
posicionar e empoderar como mulher – e todas as suas peculiaridades possíveis; LGBTQIA+, negra, não feminilizada, etc. - por si só. Exige força para gerar uma vida. Exige força para se submeter (ou não) a todos os processos associados ao feminimo. Entretanto, ao ser mulher e se lançar-se na docência de relações internacionais, exige-se ainda mais. Ao se propor a viver em um meio onde a todos os momentos o gênero é uma forma de subjugar a sua capacidade, é preciso aprender todos os dias a se relembrar da sua capacidade. É entender que talvez, não importa o quanto você esteja preparada ou empenhada, você não seja bem vinda e nem querida em alguns espaços, e que algumas vezes, você estará sozinha. Sozinha porque essa dor é silenciada por anos de opressão que ainda se mantém,e às vezes nem lhe é dado o direito de senti-la – pra que dar mais um motivo para ser passada para trás?
Acima de tudo, ser mulher discente nas relações internacionais é sacrifício. É amor. É
sensibilidade. É expor a si mesma pro mundo e dizer: Sim, eu posso. E é coragem.
Coragem, porque também é viver com inseguranças, suas e impostas, e aprender a lidar
com elas. É ter o tempo todo as suas fraquezas expostas. É ter que lidar com tudo isso e
não poder falhar. Porque se é mulher. É desatar um a um os nós do patriarcado e do
machismo intrínsecos na formação da sociedade civil global conforme se evolui. É fazer das
suas vitórias pessoais um simbolismo coletivo. É fazer com que as suas ações sejam uma
construção e uma porta aberta para aquelas que virão depois, assim como para honrar as
que vieram antes. Escolher a docência como profissão, sendo mulher, é conhecer uma
realidade onde só existe a dicotomia entre lutar pelo seu lugar ou perdê-lo, sem chance de
terceira opção. E esse processo é, sem dúvidas, desgastante e excludente.
O sistema tradicional imposto usa o gênero como arma de controle, e é quase sempre bem
sucedido. E isso pode abrir a porta para autossabotagem e inseguranças eternas. Mas também pode ser ressignificado. E então encontra-se o real sentido de estar onde se esta.
Ressignificar estas experiências é um dos maiores processos de autoconhecimento e
empoderamento que uma mulher, discente, internacionalista ou não, pode viver. Afinal,
empoderar-se pelo seu gênero, pelas suas raízes, pelo conhecimento e na resistência
contra a opressão é revolucionário. E revolucionar a si mesma é o primeiro passo para
realizar a meta de quase toda internacionalista: revolucionar o mundo. Afinal, como cita
Davis “Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E
você tem que fazer isso o tempo todo.”
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