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Economia do cuidado e a invisibilidade da mulher

Por Beatriz Furlan e Marina Pantoja


Introdução

O seguinte artigo visa discorrer acerca da economia do cuidado e a questão da invisibilidade da mulher diante da sociedade, tendo em vista a retomada das discussões acerca desse assunto devido ao Exame Nacional do Ensino Médio, que o trouxe como tema de redação. Para um maior aprofundamento do tema, o Brasil será estudado a partir de uma análise geral e, posteriormente, no período da pandemia do COVID-19. Assim, primeiramente, será exposto de forma breve a origem do termo “economia do cuidado”, depois tal termo será estudado através do caso brasileiro e, por fim, haverá uma conclusão do artigo.


O que é economia do cuidado?

O termo “economia do cuidado” originou-se por meio dos debates acerca do trabalho doméstico na década de 1970, os quais buscavam entender a relação entre o capitalismo e a divisão sexual do trabalho. Nesse sentido, observou-se que há uma distribuição desigual do trabalho em termos de gênero devido à posição subordinada das mulheres na sociedade. Ademais, a economia do cuidado não é remunerada, o que, consequentemente, a torna invisível na economia e, por isso, há uma baixa valorização social. Dessa forma, em termos conceituais, economia do cuidado abrange as atividades relacionadas com os cuidados às crianças e aos idosos dentro da esfera doméstica. Por fim, é válido ressaltar que as relações de cuidado são profundamente assimétricas e que isso causa uma sobrecarga nas mulheres, tendo em vista que grande parte delas assume outras responsabilidades para além dos cuidados domésticos (Esquivel, 2011).


Economia do cuidado no Brasil

No Brasil o cuidado possui gênero, classe e raça. Ele é um dos símbolos da desigualdade entre homens e mulheres. O cuidado tanto das tarefas domésticas quanto dos familiares, por regra, caem sobre as mulheres da família. Apesar da divisão de trabalho doméstico recair quase que exclusivamente a um gênero, porém há uma grande quantidade de pessoas, tanto homens quanto mulheres, que consideram justa a divisão e que o trabalho doméstico é “feminino” então naturalmente são as mulheres que o devem fazer (Souza; Neubert; Aguiar, 2003 apud de Jesus, 2018 p. 33).

Levando em consideração o recorte racial, mulheres negras são ainda mais sobrecarregadas que mulheres brancas, que são mais sobrecarregadas que homens negros, que são mais sobrecarregados que homens brancos. Há uma clara diferença racial no quesito da divisão do trabalho de casa, e por fazerem parte de duas categorias decisivas quanto a esse tópico, as mulheres são as que mais vão ter que lidar com o trabalho doméstico, deixando de lado outros aspectos de sua vida. A escolaridade também é um fator definidor do trabalho doméstico. Quanto maior o nível de escolaridade, é observado uma menor diferença nas horas de dedicação ao trabalho doméstico entre homens e mulheres. Melo e Castilho (2009) afirmam que mulheres com níveis de escolaridade baixos dedicam 54% a mais de tempo para afazeres domésticos, enquanto mulheres com mais escolaridade a diferença seria de 37% (apud de Jesus, 2018, p. 39).

Para além do núcleo familiar, as empregadas domésticas e babás também fazem parte da economia do cuidado. Com uma longa tradição brasileira de enxergar mulheres como responsáveis pelas tarefas domésticas e homens com o direito de estar nos espaços públicos, mulheres que trabalham com o cuidado sofrem com a desvalorização do trabalho domiciliar e por isso recebem salários baixos (Crispi, 2023). Nesse caso, a relevância dos recortes de classe e raça se mostra presente. Mulheres na busca de conseguirem se dedicar ao trabalho contratam empregadas domésticas que majoritariamente são racializadas e de classe baixa (Galetti, 2023 apud Crispi, 2023). Essas empregadas, por sua vez, ficam na incerteza do cuidado em relação a sua família, tendo que apoiar-se em outras mulheres da família, vizinhas e outras redes de apoio, pois seu baixo salário não as permite contratar também uma ajuda (Posthuma, 2021).


Economia do cuidado durante a pandemia de COVID-19

A pandemia do coronavírus expôs a condição social que grande parte das pessoas se encontram, tendo em vista que realçou as relações assimétricas de poder, o patriarcado, o machismo, o individualismo, o racismo, entre outras questões. Nesse sentido, a crise de COVID-19 cooperou para a sobrecarga do cuidado sobre as mulheres. Isso porque, as medidas isolacionistas forçaram a contenção das pessoas dentro de casa, o que teve como consequência a junção entre o ambiente de trabalho da mulher e o trabalho doméstico, o qual é, em grande parte, destinado ao gênero feminino (Ulrich; Ströher; Paz; 2020).

Dessa forma, durante a pandemia, percebeu-se uma naturalização do lugar e das responsabilidades das mulheres dentro de casa, o que configura uma relação assimétrica quando comparado às responsabilidades masculinas. Assim, ainda que a mulher trabalhe fora de casa, as atividades de limpar, cozinhar, cuidar dos filhos, entre outras, ficam à cargo delas. Em um cenário pandêmico, o trabalho remoto precisava ser conjugado com as atividades domésticas. Tal situação é vista como normal, dado que a própria cultura das sociedades enraizou isso (Ulrich; Ströher; Paz; 2020).

Ademais, outras mulheres não possuíam o privilégio de isolar-se durante a pandemia. Essas, que muitas vezes trabalham como domésticas e comerciárias, arriscaram-se ao colocar-se em contato com possíveis transmissores, uma vez que suas vidas dependiam de seus empregos. Isso é tão verdade que a primeira vítima de COVID-19 no Brasil foi Rosina Urbano, que trabalhava como diarista. Há uma outra categoria de mulheres que não se isolaram durante a crise do coronavírus: aquelas que trabalharam na linha de frente de hospitais e postos de saúde, como enfermeiras e assistentes sociais, profissões que remetem ao cuidado. Dados da ONU demonstram que 90% das equipes de enfermagem mundiais são formadas por mulheres. Nesse sentido, durante a pandemia, 70% dos profissionais que trabalharam na linha de frente eram mulheres (Ulrich; Ströher; Paz; 2020).

Assim, as mulheres são associadas diretamente à economia do cuidado, sendo obrigadas a se envolver com os processos de manutenção da família, do cuidado e da garantia do equilíbrio emocional de familiares. De forma crítica, a pandemia expôs um sistema que não se responsabiliza socialmente pela opressão das mulheres, tendo em vista que a divisão histórica dos trabalhos de cuidado remete às associações com o gênero feminino, logo, não é um processo natural. A economia do cuidado escancara processos hierárquicos, dicotômicos e dualistas que precisam ser extintos. Além disso, o ato do cuidado é invisibilizado e não valorizado justamente por ser um trabalho típico feminino, o que faz com que seja de extrema importância a visibilização e a nomeação das sobrecargas que estão sob as mulheres. Ou seja, é necessário que haja uma reconfiguração das instituições estatais, familiares, políticas, sociais e educacionais que busque a responsabilização nas relações entre os indivíduos (Ulrich; Ströher; Paz; 2020).


Conclusão

A relação das mulheres com o trabalho doméstico e familiar está posta há muitos séculos e está por todo o mundo. No Brasil ele perpassa, além da questão de gênero, pelas questões raciais e de classe. A desvalorização dos afazeres domésticos e do cuidado familiar sobrecarrega mulheres, que buscam adentrar o mercado de trabalho, e por isso acabam com jornadas duplas e triplas, pois quando chegam em casa ainda há muito o que ser feito. Quando se evidencia o tema de raça e classe, também surge uma outra área da economia do cuidado que são as empregadas domésticas e babás. Para além de cuidarem de suas casas, elas também são responsáveis por cuidar de outra família e deixar a sua de lado para focar no trabalho. Em todo caso, com a pandemia do Covid-19 a situação de todas as mulheres responsáveis por lares e famílias se tornou ainda mais a sobrecarga. Sendo a linha de frente no combate ao covid, a invisibilidade do trabalho e esforços das mulheres ficou ainda mais preocupante. Urge o reconhecimento da dedicação primorosa investida dessas mulheres e a valorização de seus trabalhos domésticos, de forma a assegurá-las da importância do espaço na sociedade.


Referências Bibliográficas


CRISPI, Priscila. Economia do cuidado: quanto vale o trabalho invisível das mulheres? Correio Braziliense, Brasília, 19 de nov. de 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/trabalho-e-formacao/2023/11/6655876-economia-do-cuidado-quanto-vale-o-trabalho-invisivel-das-mulheres.html. Acesso: 25 de nov. de 2023.


DE JESUS, Jordana Cristina. Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência. 2018. 120 f. Tese (Doutorado em Demografia) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.


ESQUIVEL, Valeria. La economía del cuidado en América Latina: Poniendo a los cuidados en el centro de la agenda. Atando cabos, deshaciendo nudos , El Salvador , out. 2011 Disponível em: https://formaciontecnicabolivia.org/webdocs/publicaciones/2013/atandocabos.pdf. Acesso em: 25 nov. 2023.


POSTHUMA, Anne Caroline. A economia de cuidado e o vínculo com o trabalho doméstico: o que as tendências e políticas na América Latina podem ensinar ao Brasil. In: PINHEIRO, Luana; POSTHUMA, Anne Caroline; TOKARSKI, Carolina Pereira (Org.). Entre Relações de Cuidado e Vivências de Vulnerabilidade: dilemas e desafios para o trabalho doméstico e de cuidados remunerado no Brasil. 2021


ULRICH, Claudete Beise; STRÖHER, Marga Janete; PAZ, Nivia Ivette Núñez de la. Mulheres em tempos de pandemia: a cotidianidade, a economia do cuidado e o grito uterino! . Estudos Teológicos , Rio Grande do Sul , ano 2020, 6 out. 2020. Disponível em: http://revistas.est.edu.br/index.php/ET/article/view/56/46. Acesso em: 25 nov. 2023.

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