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O Caso Maria da Penha e a Internacionalização dos Direitos Humanos

Atualizado: 18 de mar. de 2021


por Mahryan Sampaio

Apresentação do Caso Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em 1983, nordestina, natural na cidade de Fortaleza no Ceará, é farmacêutica formada pela Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará e mestra em Parasitologia pela Universidade de São Paulo. Sua trajetória e luta representa a violência doméstica pela qual milhares de mulheres são submetidas em todo o Brasil. Ela conheceu o cidadão colombiano Marco Antonio Heredia Viveros durante o seu mestrado, enquanto ele estudava para a pós-graduação em Economia. Ambos começaram a namorar e casaram-se em 1976. Após o nascimento da primeira filha, se mudaram para Fortaleza e constituíram família. Contudo, quando seu cônjuge se estabilizou economicamente e conseguiu a cidadania brasileira, começou a exaltar-se com facilidade, e posteriormente deu início às agressões. O medo constante, a tensão diária e as atitudes violentas tornaram-se cada vez mais frequentes. Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio, sendo baleada nas costas durante o sono. A lesão irreversível levou Maria a sérias complicações físicas, ficando paraplégica e com traumas psicológicos. Defendendo-se de acusações, Marco Antônio alegou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia. Quatro meses depois, ele a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho. A família e amigos de Penha foram fundamentais para o apoio físico e emocional da vítima, apoiando-a juridicamente. O primeiro julgamento do caso em território brasileiro aconteceu somente oito anos após o crime. Marco foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas devido aos recursos apresentados, respondeu em liberdade. No segundo julgamento, a sentença também não foi cumprida. Todavia, em 1998, o caso ganha projeção internacional. Reconhecimento Internacional O Sistema Interamericano de Proteção e Promoção dos Direitos Humanos nas Américas (SIPDH) é constituído de duas entidades, a saber; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão surge em 1959 como órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo autorizada no ano seguinte a receber e processar denúncias ou petições sobre casos individuais, nos quais fossem alegadas violações de direitos humanos. Desse modo, em 20 de agosto de 1998, o Caso Maria da Penha foi encaminhado à Comissão, sendo registrado com o número 12.051. Enquanto o Brasil foi indicado como Estado violador, como peticionários estiveram a vítima (Maria da Penha), o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Argumentando que o Estado não havia adotado as medidas necessárias para processar e punir o agressor, os peticionários trouxeram à tona a tolerância à violência contra a mulher no Brasil, um problema histórico e social. No que tange ao cumprimento dos artigos adotados pelo Sistema de Proteção, cerca de dez foram violados. Solicitações foram feitas em 1998, 1999 e 2000, porém o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo. Sendo assim, em 2001 a Comissão emitiu o relatório n° 54/2001, responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Compreendendo o padrão discriminatório de tais atos, foram feitas uma série de recomendações ao Brasil. Lista de Recomendações 1) Completar rápida e efetivamente o processamento penal responsável pela agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes; 2) Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes; 3) Adotar, sem prejuízo as ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Estado Brasileiro assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações; 4) Prosseguir e intensificar o processo de reforma para evitar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica; 5) Medidas de capacitação, sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados, a fim de que compreendam a importância de não tolerar à violência doméstica; 6) Simplificar os procedimentos judiciais penais; 7) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares; 8) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais; 9) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará; 10) Apresentar à Comissão, dentro do prazo de 60 dias, contados da transmissão do documento ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomendações para os efeitos previstos no artigo 51/1 da Convenção Americana. A Lei Maria da Penha n° 11.340 foi publicada em 2006, e dois anos depois a vítima recebeu a indenização no valor de R$ 60.000,00 pela condenação do Estado Lei Maria da Penha: o público e o privado A Lei Maria da Penha representou um grande avanço na supressão das fronteiras entre a esfera pública e a privada, dualidade esta que tal qual explicitado por Flávia Biroli no livro “Feminismo e Política” é uma forma de escamotear o caráter político das relações de poder na vida cotidiana, em ambientes de trabalho e familiares por exemplo. Isso porque o isolamento da esfera privada em relação ao Estado e à vida pública corrobora à manutenção das relações de autoridade e dominação masculina, obstruindo a proteção aos mais vulneráveis nas relações de poder no âmbito doméstico, geralmente mulheres e crianças em razão do machismo estrutural. Nesse sentido, a intervenção na vida privada é necessária para garantir a liberdade e autonomia feminina, tendo em vista, por exemplo, a tipificação da violência doméstica – tal qual conquistada no Brasil com a Lei Maria da Penha – e do estupro no casamento como crimes, que são direitos fundamentais das mulheres, essenciais para que elas conquistem condições mais dignas. Para Flávia Biroli, relações mais justas e igualitárias na vida domésticas permitiriam às mulheres ampliar seu horizonte de possibilidades, ocasionando formas mais amplas de participação social. Ultrapassar as barreiras entre o público e o privado, portanto, é imprescindível para romper com o isolamento da mulher na esfera privada e para que as questões relevantes na experiência feminina, sobretudo no que se refere à dominação e violência doméstica, se tornem pauta na agenda e debates políticos, contribuindo à garantia de justiça também nos espaços privados e ao compromisso com uma sociedade democrática. A esse respeito, Flavia Biroli (2014) analisa que: "Na experiência de muitas mulheres, a proteção à privacidade na família e nas relações afetivas corresponderia a resguardar um espaço de violência contra as mulheres; não protegeria afetos, mas agressores Em vez de proteger a livre definição das identidades e das relações afetivas e sexuais, preservaria condutas que são fundamentais para a reprodução da dominação masculina. Em outras palavras, a liberdade para violentar, humilhar e manter a mulher em posição de objeto é que seria mantida. A militância antipornografia e pela criminalização do assédio sexual no feminismo baseou-se, em grande parte, no entendimento de que seria preciso politizar as relações afetivas e sexuais a partir da experiência das mulheres, rompendo com aquelas situações que lhes roubam a voz. A naturalização da agressão masculina e a erotização da dominação seriam parte do cotidiano de mulheres e homens em sociedades organizadas por práticas e valores sexistas. (p.34)" O maior controle e a regulação do Estado sobre a esfera doméstica e familiar, por fim, é necessário para a criminalização da violência e de diferentes formas de abuso e uso arbitrário da autoridade contra mulheres e crianças. É preciso garantir que o espaço privado seja livre de constrangimento sistemático e das desigualdades que potencializam assimetrias de poder e subordinação nas relações interpessoais, fomentando a democracia. A Lei Maria da Penha apresentou grande contribuição nesse sentido, mas ainda há muito a se conquistar. Direito das Mulheres Hoje Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Violência física, segundo o artigo 70, inciso 1º da lei maria da penha (11340/06), configura “qualquer conduta que ofenda a sua (da mulher) integridade ou saúde corporal”, ou seja, qualquer agressão física, tais como socos, murros, tapas, pontapés, empurrões e diversos outros. A violência física de gênero é a exercida contra a mulher e que lhe cause, de quaisquer maneiras, sofrimento físico, psicológico ou sexual e ainda, em casos extremos, a morte, sendo em sua grande maioria, cometidos pelos parceiros conjugais das vítimas; esta viola diretamente os direitos humanos e obstrui a luta pela equidade de gênero, sendo assim um agravante da integridade física e saúde mental das mulheres vítimas, ressaltando que a violência física, na maioria dos casos, está diretamente acompanhada da violência psicológica e também sexual. A configuração deste tipo de violência é baseada em um contexto de desigualdade de gênero, sendo, portanto, pautada através da dominação masculina sob a mulher, na qual o homem exerce seu poder por meio da violação do corpo feminino, muitas vezes associada ao assédio, a violência sexual e a violência doméstica. No ano de 2016, 503 mulheres foram vítimas de agressão a cada hora. (Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/ 2017). Dados do fórum brasileiro de segurança pública apontaram 221.238 registros de violência doméstica contra a mulher em 2017 e 1133 casos de feminicídio nesse mesmo ano. Outro dado alarmante foi o número de mulheres vítimas de homicídio que cresceu 6,1% em relação a 2016, atingindo 4.539 de casos (Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/ 2017). É notável e gritante a necessidade de discussões acerca de políticas públicas e medidas cabíveis para que essa situação seja mudada Ativismo presente! Hoje, Maria da Penha é considerada um dos grandes símbolos da luta contra o fim da violência à mulher. Sua contribuição lhe proporcionou reconhecimento internacional, expresso através de inúmeras homenagens, como International Women of Courage Award (2010), Orden de Isabel la Católica (2011), Prêmio Direitos Humanos (2013), Medalha da Abolição (2015), Prêmio Franco-alemão de Direitos Humanos e do Estado de Direito (2016), Indicação ao Prêmio Nobel da Paz (2017), entre outras.




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