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Mulheres no Itamaraty

Atualizado: 10 de mar. de 2021

por Mahryan Sampaio Rodrigues


O Ministério das Relações Exteriores do Brasil - ou Itamaraty - é um órgão do Poder

Executivo responsável pelo assessoramento da política externa do país, auxiliando o Chefe de Estado. O ingresso na carreira diplomática é concursado e acontece hoje através do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD). Entretanto, mesmo após quase 200 anos de Ministério, as mulheres ainda representam uma minoria dentre os profissionais do Palácio. A existência de evoluções no que tange às questões de gênero é uma característica inquestionável: houve um tempo em que mulheres não podiam nem mesmo se inscrever no

concurso. Contudo, tais avanços não são o bastante para a equidade. A representação de

mulheres no campo diplomático ainda é pouca, e a mudança da cultura organizacional do

Ministério para a inserção e visibilização caminha a passos lentos. A primeira diplomata Em agosto de 1918, Maria José de Castro Rebello Mendes se torna a primeira mulher

a ingressar no serviço diplomático brasileiro aos 18 anos, vencendo uma jornada com

significativos percalços. A Constituição Federal de 1891 explicitava no Art. 73 da seção II

(Declaração de Direitos), que os cargos públicos civis ou militares eram acessíveis "a todos

os brasileiros”. Contudo, ao inscrever-se Maria teve sua candidatura negada. Após recorrer

com representação de Rui Barbosa, foi autorizada pelo chanceler Nilo Peçanha a prosseguir.

Ao contrário do que se pode inferir à primeira vista, este apresentou-se favorável à sua

candidatura com ressalvas:

"Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, vide tantos atributos de discrição e competência são exigidos, bem que não são privilégio do homem – e si a requerente está aparelhada para disputar um lugar nessa Secretaria de Estado (...), o que não posso é restringir ou negar o seu direito... Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuassem a direcção do lar, taes são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões.” Ao realizar o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática, conquista o primeiro lugar, desafiando os paradigmas de uma época. Assim, Maria José de Castro Rebello mostra

que além de legítima, a inserção de mulheres na diplomacia é exequível. Além de diplomata, torna-se a primeira funcionária pública concursada do Brasil, iniciando carreira no Ministério das Relações Exteriores. Ao longo do tempo Em 1932, a Reforma Mello Franco restringe a atuação das mulheres ao corpo consular. Em 1938, a Reforma Oswaldo Aranha unifica ambas as carreiras e proíbe o ingresso de mulheres por 16 anos. A proibição só é revogada em 1954. Em 1969, o Instituto da Agregação proíbe casais de diplomatas de trabalharem juntos no exterior, baseando-se na justificativa de que ambos receberiam uma remuneração maior do

que o embaixador. As mulheres são as mais prejudicadas, pois em sua maioria deixam de

servir. Somente em 1985 a atuação internacional de casais passa a ser permitida, mas com

condições: era preciso ter tempo de serviço exterior prestado. No ano de 1986 a Agregação

termina, mas pela nova regra um dos dois teria um salário 40% menor, cabendo novamente à mulher ceder em sua maioria, mesmo que a lei não determinasse gênero. A determinação

perdura por 10 anos, até que se encerra em 1996. Em novembro de 2013, surge o Grupo de Mulheres Diplomatas Brasileiras como um importante foro de discussões das questões de gênero dentro do Itamaraty, suprindo uma

demanda reprimida. Em 2014, é criado - através das sugestões do grupo - um Comitê de

Gênero e Raça e uma sala de amamentação no Palácio, que representam avanços nas pautas discutidas para reformas na estrutura do local, adaptação e atendimento de necessidades. Vale lembrar que o primeiro banheiro feminino no Itamaraty foi construído às pressas condicionado à aprovação de Maria José Mendes. O Ministério foi construído de forma estruturalmente masculina, de maneira que até mesmo ao pensar no léxico do português, as flexões de gênero para os cargos demoram a serem pensadas para o feminino. Por muitos anos, uma mulher exercendo cargos mais altos era chamada de “senhora Ministro”. Desafios de carreira Como costume, os diplomatas que conquistam o primeiro lugar no concurso escolhem

seu local de atuação, optando a maioria pela Divisão das Nações Unidas. Todavia, quando as diplomatas Vitória Cleaver e Eugenia Barthelmess escolheram a repartição, tiveram suas capacitações para o cargo postas a prova, mesmo tendo conquistado as colocações mais altas no concurso. Ambas afirmam veementemente que se ao contrário de uma mulher estivesse um homem ao lado de seu superior, a receptividade e o discurso teriam sido bem diferentes. Sobreposta à questão de gênero, é também necessário discutir representação étnica: a

inserção de mulheres negras no Itamaraty ainda é pouca, de visibilidade proporcionalmente

inferior à de mulheres brancas. Hoje, há Programas de Ação Afirmativa para o Ministério das

Relações Exteriores que buscam reparar esta desigualdade. Contudo, parafraseando Marise

Nogueira, a inserção de mulheres negras no Itamaraty provém de significativos esforços e

luta por medidas de reparação históricas, não devendo ser confundidas com o mito da

democracia racial brasileira. Os diplomatas negros na carreira correspondem a um percentual que destoa significativamente da composição étnica do país, sendo mais escassa ainda a representação de mulheres negras na diplomacia. Mônica Menezes de Campos foi a primeira diplomata negra brasileira, ingressando no início dos anos 1980. Mãe solteira, teve uma carreira diplomática breve, sendo discriminada constantemente por sua cor de pele, lidando com a interseccionalidade entre gênero, raça e classe social, além da desumanização da mulher negra. Para elas, chegar à alta burocracia de Estado é uma caminhada árdua e extremamente mais difícil. Nos dias atuais A imagem do Brasil no exterior, tido como um país que incentiva a diversidade e pluralidade, não condiz com o cotidiano. Historicamente, mulheres sempre lidaram com a

dificuldade de inserção em importantes cargos, em razão da dificuldade de acesso e/ou

discriminação. Para a Embaixadora Irene Vida Gala, as mulheres na diplomacia passam por

um problema de falta de visibilidade: “Nós não temos mulheres que o mundo reconheça fora do Itamaraty, que a sociedade brasileira reconheça como diplomata.” Dessa forma, a falta das mulheres no corpo diplomático reflete uma estrutura social

maior, assim como os empecilhos no crescimento de carreira. Nunca nenhuma mulher no

Itamaraty se tornou representante de importantes capitais ao redor do mundo. Os postos de

primeira grandeza nunca foram ocupados por mulheres, sendo restrita sua atuação no Itamaraty. Como sintetizado por Barthelmess, existe uma clara sub-representação feminina na chefia dos cargos. Para elas, é necessário sempre conquistar e lutar por aquilo que é, para os homens, um direito. Mulheres como Thereza Quintella, Irene Gala, Viviane Balbino, Sônia Gomes, Maria

Nazareth Azevêdo, Marise Nogueira, Amena Yassine, Vera Pedrosa, entre outras, nos

ensinam sobre a importância da representação e representatividade feminina nas relações

internacionais. Todas elas possuem atuações extremamente bem-sucedidas no Ministério -

com inúmeros percalços - representando nosso país com excelência em qualquer cargo. A

trajetória das diplomatas no Itamaraty certamente deixa um ensinamento: são e sempre serão inspiração de luta para outras que virão para conquistar e revolucionar este espaço,

ressignificando o papel da mulher na sociedade brasileira. Referências


BALBINO, Viviane Rios. Diplomata: substantivo comum de dois gêneros: um estudo

sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Fundação Alexandre de Gusmão,

2011.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 24 de fevereiro de

1891.

EXTERIORES: Mulheres Brasileiras na Diplomacia. Direção de Ivana Diniz. Brasília:

Argonautas, 2019. (53 min.).

FRIAÇA, Guilherme José Roeder. Mulheres Diplomatas no Itamaraty (1918-2011): Uma

análise de trajetórias, vitórias e desafios. Fundação Alexandre de Gusmão, 2018.

MENDES, Marina Macêdo. Gênero e Relações Internacionais: a inserção da mulher na

esfera política e na carreira diplomática brasileira. 2011.

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