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Uma Alternativa aos Conceitos Convencionais de Segurança e Defesa

Por: Kethlyn Winter

Leticia Helena Prochnow


Segurança é um conceito que ainda não possui uma definição consensual, visto que as correntes tradicionais das Relações Internacionais (RI) delimitam seus assuntos de modo diferente das correntes tradicionais. Para melhor ilustrar essas diferenças, é necessário dividir este texto em dois momentos: pré e pós Guerra Fria (GF). Portanto, este breve texto buscará definir segurança e defesa a partir de uma contextualização histórica. Em um primeiro momento, será citada a conceituação de segurança e defesa pelo viés tradicional dentro dos estudos estratégicos, que teve grande repercussão pré GF, visto toda a questão militar e nuclear do momento (RUDZIT, NOGAMI, 2010). Em seguida, os termos serão refletidos no contexto posterior a GF, com uma abordagem mais abrangente e, especificamente, segundo as teorias feministas das RI.

Num contexto pré Guerra Fria, as correntes mainstreams tinham como foco principal o Estado como ator dos assuntos. Nesse sentido, as áreas de estudo das RI centravam-se nas questões relativas à guerra e à paz. Logo, segurança e defesa limitavam-se a ameaças externas, de cunho militar, aos Estados. Segundo Goldman (1982), os Estados tinham como objetivo enfraquecer as ameaças [militares] de um território analisando meios de defesa dentro e fora de suas fronteiras. Mas, sempre tendo em vista um nível macro das ameaças. O conflito militar é, neste caso, a questão central para o debate de segurança e defesa (RUDZIT, NOGAMI, 2010).

Com o fim da GF, a Teoria Crítica definiu nova ontologia, se comparada com as mainstreams. O Estado passou a não ser o ator central e percebeu-se a existência de atores para além dele na configuração de ameaças. As teorias críticas passam a conceber relação entre agente e estrutura e, nesse sentido, novas ameaças ascenderam como preocupações a serem consideradas. Com o surgimento de novos atores para além do Estado, questões sociais passaram a fazer parte das agendas e, portanto, integraram também as questões dos estudos estratégicos. É a partir de então que segurança e defesa passam a ser pensados em um sentido mais amplo, abarcando um guarda chuva de ameaças que perpassam a esfera militar (RUDZIT, NOGAMI, 2010).

O presente texto foca, neste momento, na contribuição feminista das RI para a definição dos conceitos de Segurança e Defesa. Utilizando o gênero como categoria de análise, estendem os métodos diplomáticos e estratégicos ao desconstruir as noções patriarcais que moldam a construção e desenvolvimento da política externa. Esse movimento defende uma formação mais abrangente de conceitos dentro dos estudos acerca de segurança e defesa, de forma a contribuir com autonomia de políticas de identidade e a formular políticas de segurança que fortaleçam a defesa e seguridade de uma nação nos níveis internacional, nacional, regional e individual. É necessário entender, de acordo com Cynthia Enloe, que o pessoal é internacional, conectando as expressões sociais e interpessoais do patriarcado e a ordem global do sistema internacional.

Desafiando a teoria tradicional e clássica das Relações Internacionais, a teoria feminista contrapõe o viés dos estudos em Segurança Internacional de forma a expor as agendas e questões dentro do estudo, e concretização de políticas de segurança e defesa, que não são inclusivas e geralmente tornam-se negligenciadas no meio acadêmico e profissional (MONTE, 2011). Ainda dominante, a corrente realista é, por esse motivo, questionada vigorosamente pelas teóricas feministas. Sua categoria de análise em estudos de segurança e da paz, baseia-se na maximização do poder de um Estado através da medição de sua força bruta: armas de destruição em massa, a extensão de seu exército e uma política de segurança agressiva. Assim, a força e a capacidade militar de um Estado são associadas ao seu grau de masculinidade perante a sociedade internacional.

As concepções vigentes de Estado, segurança e paz surgem como expressões redutoras e perpetuadoras de uma ordem assente na desigualdade (e não na diferença) entre sexos. O entendimento unitário e racional de Estado e das funções prioritárias que lhe são reconhecidas, como a preservação da inviolabilidade do território, o “dilema de segurança” e o próprio conceito de segurança nacional que lhe é associado denotam a transposição de traços masculinos, concretamente características associadas a uma masculinidade dominante, como a competitividade, a autonomia e a desconfiança, para uma escala macro (SANTOS, 2011, p. 2).


A abordagem feminista, portanto, se compromete com a elucidação e interpretação de conceitos como o de Estado e Defesa através da atribuição de papéis sociais entre homens e mulheres. A conclusão de teóricas como Tickner e Reardon, grandes nomes da pesquisa nesse âmbito, é de que essa exata atribuição de papéis desassiste as experiências femininas no contexto da guerra e da paz (TICKNER, 1992). As representações de gênero na esfera privada afetam a mobilidade e as limitações dos sexos na esfera internacional, de forma a garantir um espaço maior na esfera pública ao homem do que a mulher, reforçando mitos e debates legitimadores dessa situação.

No que tange a segurança e defesa, compreende-se que são termos que carecem de consenso, mas que em linhas gerais, definem-se a partir de ameaças externas, não importando quais sejam elas (RUDZIT, NOGAMI, 2010). Entretanto, a contribuição feminista a essas definições se concentram no papel social atribuido à homens e mulheres (SANTOS, 2011). Apesar de algumas análises nesta área focarem na análise essencialista de que mulheres estão predispostas para a paz e homens para a guerra, é necessário defender a participação feminina em processos de resolução de conflitos e na construção de políticas de defesa fora da binaridade excludente da esfera privada. O caráter masculino da guerra, dessa maneira, deve ser desmantelado de forma a agregar novos conceitos e análises com foco em gênero, raça e classe. O pensamento pós-estruturalista, nesse caso, é pioneiro na construção e promoção desse movimento.


Referências

BUTLER , Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. 1. ed. Londres: Routledge, 1990. 179 p. v. 1.

COCKBURN, Cynthia. Antimilitarism: Political and Gender Dynamics of Peace Movements. 1. ed. [S. l.]: Palgrave Mcmillan, 2012. 297 p. v. 1.

ENLOE, Cynthia. Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics. Los Angeles: University of California Press, 2014.

MONTE, Izadora Xavier do. Gênero e relações internacionais: uma crítica ao discurso tradicional de segurança. 2010. 146 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Relações Internacionais, Universidade de Brasília (Unb), Brasília, 2011. Disponível em: http://www.funag.gov.br/ipri/btd/index.php/10-dissertacoes/1298-genero-e-relacoes-internacionais-uma-critica-ao-discurso-tradicional-de-seguranca. Acesso em: 20 jun. 2021.

RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Segurança e Defesa Nacionais: conceitos básicos para uma análise. Rev. bras. polít. int., v. 53, n.1, jul 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbpi/a/VxLnyTqsYNHYnrZ3fxTjwRg/?lang=pt. Acesso em: 25 jun. 2021.

SANTOS, Rita. Perspectivas feministas e pensamento sobre e para a paz: (re)conhecer as violências e resgatar as pazes. Oficina do Ces: Publicação seriada do Centro de Estudos Sociais, [S.I], v. 363, n. 1, p. 1-13, fev. 2011. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/90611. Acesso em: 20 jun. 2021.

Tickner, Ann (1992), “Man, the State and War: Gendered perspectives on National Security”, in Gender in International Relations – Feminist perspectives on achieving global security. Nova Iorque: Columbia University Press, 27-66.



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