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Operações de Manutenção de Paz da ONU: Uma Análise do Caso da Estabilização da República Democrática

Por:Keila Alves



Introdução



Fonte: O Globo


A República Democrática do Congo nunca foi um país estável, mesmo após a conquista de sua independência, isso porque teve seu estado de violência muito mais agravado com dois grandes conflitos, a Primeira e a Segunda Guerra do Congo. Com isso, essas guerras vitimaram mais de 4 milhões de pessoas, como colocado em (ROUBER, 2017). Além do mais, é necessário enfatizar que mesmo após o fim desses conflitos no ano de 2003, o estado conflituoso ainda permaneceu no país. Cabe portanto, analisar a República Democrática do Congo como um Estado frágil e com capacidades militares inferiores à sua demanda de segurança interna. Outrossim, o exército do governo é constituído por grupos que participaram das guerras que afetaram negativamente esse país e apresentam um perigo alarmante para o Congo, considerando que eles trabalham geralmente com mercenários. Concomitantemente, outros grupos que não compõem o exército, se organizam constantemente para atuar contra o governo. Por consequência, o andamento de negociações para o estabelecimento de um Estado democrático e para a realização de eleições é prejudicado, tornando-se cada vez mais difícil. Diante disso, facções criminosas acabam por disputar entre si o futuro do país. Dessa forma, também contribuem para que o estado de conflito e o cenário de extrema instabilidade continuem se ampliando nesse local.

Paralelamente, em 2010 foi criada a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Congo, a MONUSCO, com o principal objetivo de conter a violência que acometeu esse território. A missão é fortemente ativa no âmbito militar e dentro da conjuntura que afeta o país, sendo preciso analisar como esse conflito levanta uma série de questionamentos, tais como o uso de recursos atrelados aos problemas políticos envolvidos nesse caso (ROUBER, 2017).

Em (OLIVIERI, 2020) destaca-se que desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), foram promovidas muitas missões em países que demandam de ajuda internacional para a manutenção dos direitos fundamentais e necessidades básicas do país. No que tange à RDC, a ONU realiza um trabalho essencial combatendo grupos armados que violam os Direitos Humanos da população congolesa. Enfatiza-se ainda, que além das tropas da ONU nessa missão, atuam agentes de saúde, Organizações não-governamentais e instituições governamentais da República Democrática do Congo. A exemplo disso temos o trabalho realizado pela Polícia Nacional e da Cruz Vermelha em meio ao contexto da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo. (OLIVIERI, 2020) Com o intuito de aprofundar a questão da atuação da Operação de Manutenção de Paz da ONU no Congo, analisamos como essa missão trabalha os princípios de proteção de civis, de pessoal, dos direitos humanos e na consolidação da paz no país. Ademais, também pautamos esse caso sob uma perspectiva de gênero, tanto no que se refere à atuação feminina na operação de paz e defesa dos direitos humanos de mulheres atingidas por esse conflito, como também pelo olhar das violações constantes sofridas pelas população feminina da RDC.


O Surgimento da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo: Antecedentes e Objetivos Principais da MONUSCO


Anterior à criação da MONUSCO, houveram duas missões da ONU na República Democrática do Congo. Entender elas é crucial para a compreensão do histórico de demandas do país, assim como as motivações da atuação da ONU nesse local. Com isso, é preciso pautar que após a independência do país, muitos grupos que já cultivavam interesses quanto aos recursos naturais dessa região exploraram um momento de desproteção da atuação Belga nesse território - o país colonizador do Congo - para acabar com as forças nacionais que ainda restavam nela. Dentro desse contexto, o país demonstrava-se em perigo, principalmente após o assassinato de Lumumba em 1961, o que trouxe à tona uma alta possibilidade de desencadear uma guerra civil nele. Em decorrência desse cenário preocupante, foi criada em 1960 a Missão das Nações Unidas no Congo (ONUC), aberta até 1964, com o propósito de preservar a integridade doméstica da região e atuar na prevenção de uma possível guerra civil. Por conseguinte, a missão ultrapassou a marca de 19.000 militares e contou com cerca de 18 civis, incluindo a participação de brasileiros. Nisso, houveram conflitos entre mercenários e tropas do Congo por conta de protestos com o intuito de desanexar a Katanga. Nesse sentido, a missão precisou lidar com o objetivo de reintegrar a Katanga no Congo e ao mesmo, de promover a construção de um parlamento, visando a estabilidade da RDC. Após acontecer a consolidação das forças militares na missão, ela foi encerrada, deixando uma memória de busca pela estabilidade nacional. (OLIVIERI, 2020)

Ademais, em 1999 acabou surgindo uma nova missão das Nações Unidas, dessa vez chamada de Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) que tinha o objetivo de fazer com que o Acordo de cessar-fogo de Lusaka fosse validado. Ele dizia:


O Acordo de Lusaka entre os países de Angola, República Democrática do Congo (RDC), Namíbia, Uganda, Ruanda e Zimbábue, procura pôr um fim às hostilidades no território da RDC. Aborda várias questões, incluindo a cessação de hostilidades, o estabelecimento de uma Comissão Militar Conjunta (JMC), composta por representantes dos beligerantes, retirada de grupos estrangeiros, desarmamento, desmobilização e reintegração de combatentes, libertação de prisioneiros e reféns, restabelecimento de administração governamental e a seleção de um mediador para facilitar um diálogo inter congolês com tudo incluído. O acordo também pede o envio de uma força de manutenção da paz da ONU para monitorar o cessar-fogo, investigar violações com o JMC e desarmar, desmilitarizar e reintegrar grupos armados (ONU, 1999, online).

Portanto, a MONUC teve como base em sua missão, colocar um fim nos confrontos entre Namíbia, Ruanda, Uganda, Zâmbia, Zimbábue, Angola e grupos armados oriundos do Genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994. Também teve um relevante papel nas negociações do Novo Acordo Global e Todo-Inclusivo de Paz, ambos firmados em 2002. Além disso, a missão colaborou diretamente nos programas de desarmamento, reintegração de combatentes e desmobilização, os quais buscavam incorporar insurgentes desse conflito no Congo para aumentar a representação civil nesse contexto conflituoso.



Fonte: DW


Contudo, após 10 anos do trabalho efetuado pela MONUC na RDC, era perceptível a necessidade de uma nova missão que agregasse objetivos atualizados para o contexto mais recente do país. A partir dessa perspectiva, a MONUSCO foi criada em 2000, tendo uma característica diferente das demais missões de paz da ONU: o uso de operações militares para o combate de grupos armados, objetivando o estabelecimento da paz e estabilidade na região. (OLIVIERI, 2020)









Os Conflitos na República Democrática do Congo Sob uma perspectiva de gênero: A Violação dos Direitos Humanos das Mulheres Congolesas




Fonte: UN News


Para estudar o gênero na África, sobretudo na questão do Congo, é preciso considerar suas transformações históricas e como elas impactaram as relações de gênero no continente. Essa observação pode ser compreendida desde o início do imperialismo árabe-muçulmano e do imperialismo cristão-ocidental na África. Em (MARTINS, 2019) essa questão fica muito clara quando pautado que o patriarcalismo presente nessas culturas imperialistas, contribuíram grandemente para a supremacia do sistema patriarcal na região. A principal semelhança entre os patriarcalismos não africanos e africanos é a prática violenta contra mulheres. A masculinidade é exercida culturalmente por meio de situações conflituosas que violam os direitos humanos das mulheres africanas. Além do mais, para (AMADIUME, 2001) o patriarcado se consolidou a partir da militarização e de um processo de masculinização no continente africano.

Mais especificamente no caso da RDC, a guerra da Ruanda de 1994 e a guerra da República Democrática do Congo de 1996 geraram um cenário de violência que permanece até hoje na região. Essa conjuntura violenta afeta brutalmente a população civil, principalmente mulheres, crianças e jovens. A militarização desse local e a masculinidade violenta atuantes nessa sociedade, tem um forte peso na vida das mulheres congolesas. Ainda mais, as violências cometidas contra civis são diversas e podem ser classificadas em quatro categorias tais como crimes de guerra, violação de direitos humanos, crime contra a humanidade e a possibilidade de genocídio. Ademais, a violência sexual contra mulheres congolesas se manifesta em muitos contextos, a exemplo da violência sexual usada como instrumento de guerra, escravidão sexual, abusos cometidos com base em “pertencimento étnico” e em nome de “rituais”. Esses crimes em tempos violentos acontecem por meio de massacres, sequestros, estupros, trabalho escravo, incêndios criminosos e apropriação do território das vítimas.

Diante disso, é preciso salientar, conforme (MARTINS, 2019) que quem comete violência contra a população civil e também está envolvido com o uso ilegal dos recursos naturais da República Democrática do Congo, pertence aos exércitos do governo nacional, de países próximos, grupos de rebeldes, milícias e estrangeiros. Frente a essa problemática, houveram soldados da própria ONU que foram acusados igualmente, principalmente por realizar comércio ilegal de recursos e abusar sexualmente de mulheres congolesas durante as operações.

Outrossim, também vê-se necessário discorrer sobre a participação feminina nas missões de paz da ONU e sua importância para a segurança das mulheres em contextos de guerra, como no caso da República Democrática do Congo. Ao estudar essa temática, destaca-se que a atuação das mulheres em mediações, prevenções e soluções de conflitos tem se mostrado altamente eficiente. Segundo a ONU, os maiores contingentes de mulheres nas tropas estão na MONUSCO, e na Missão no Sudão do Sul. A brasileira Major Luanda, das Forças Armadas do Brasil, por exemplo, trabalha atualmente como conselheira de gênero na RDC, sendo essa uma posição de extrema relevância para a ONU, isso por defender a igualdade de gênero e atuar na prevenção de abuso e violação sexual na área de intervenção da MONUSCO, segundo Luanda.






Fonte: Defesanet


O mandato da MONUSCO continuou a permitir em sua missão, que todos os meios necessários fossem utilizados para a proteção de civis, ajudar no desarmamento de grupos rebeldes e para a realização de operações conjuntas e planejadas para conter os conflitos na região. Aliás, o uso do termo estabilização mostra o objetivo que se tem de restabelecer a autoridade do governo sobre o território. Desse modo, a criação da MONUSCO e sua atuação representou uma aproximação com o uso coercitivo da força. A operação passa, com o tempo, a receber tarefas contraditórias aos seus princípios. Há a necessidade de se refletir que enquanto a missão deve apoiar a estabilidade estatal e combater grupos armados, ao mesmo tempo deve auxiliar em toda uma reconciliação nacional e em soluções de melhorias no que se refere às relações entre o governo e a sociedade congolesa. (VEIGA, 2018)


Considerações Finais


O contexto de guerra civil na República Democrática do Congo mostra-se desgastante e violenta. Nesse sentido, a cooperação internacional é fundamental, por meio da Organização das Nações Unidas, ONGs, entidades governamentais e outros organismos, para a estabilidade do país. Ademais, é preciso reconhecer que sem a intervenção da ONU com a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Congo, o cenário de violação de Direitos Humanos seria muito mais agravante. Contudo, é necessário que medidas mais eficientes sejam tomadas por esses atores internacionais principalmente em combate à violência de gênero em meio a esses conflitos, considerando que da população civil, as mulheres e crianças fazem parte do maior número de vítimas de violência sexual nesse contexto de instabilidade e conflitos permanentes. Além disso, espera-se que a República Democrática do Congo possa se libertar dessa grave situação e assim, se desenvolver internamente e colocar-se como Estado Democrático e soberano dentro do sistema internacional.


REFERÊNCIAS


VEIGA, Victor. As operações de paz da ONU e o uso da força: da manutenção à imposição da paz na República Democrática do Congo. Curitiba, Paraná. P. 40-58, 2018. Disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/handle/1884/63042. Acesso em: 20 set. 2021.


RAUBER, Beatriz. FILHO, João. NOGUEIRA, João. CASTRO, Laura. BITTENCOURT, Marielli. XERRI, Salvatore. A missão das Nações Unidas para a estabilização da República Democrática do Congo. UFRGS Model United Nations. Rio Grande do Sul, v.5, p. 295-339, 2017.


OLIVIERI, Matheus. As ações interagências na missão de estabilização das nações unidas na República Democrática do Congo. Resende, P. 17-25, 2020. Disponível em: https://bdex.eb.mil.br/jspui/bitstream/123456789/7909/1/7182%20Olivieri.pdf. Acesso em: 21 set. de 2021.


MARTINS, Valter. Fronteiras de violências nos corpos das mulheres na República Democrática do Congo. Socied. em Deb. (Pelotas), v. 25, n. 1 - Edição Especial, p. 29-46, 2019.


AMADIUME, Ifi. Reinventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2th. Ed. London/New York: Zed Book, 1997/2001.


ONU. Ceasefire Agreement (Lusaka Agreement). Democratic Republic of the Congo, 1999. Disponível em: https://peacemaker.un.org/drc-lusaka-agreement99. Acesso em: 21 set. 2021



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