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O impacto desigual das mudanças climáticas: um olhar para as refugiadas

Por Manoela Veras

Melyssa Carvalho

No dia 20 de junho celebrou-se o Dia do Refugiado, grupo crescente e marginalizado na conjuntura internacional contemporânea. Conceitualmente, refugiados são pessoas que deixaram seus países de origem por sofrerem violências, perseguições e/ou terem seus direitos violados (SILVA, G. J, et al, 2020). Os motivos para a busca pelo refúgio são geralmente associados a perseguições, contextos de guerra, violação dos direitos humanos e outros, tendo impactos significativos na vida de milhares de pessoas que sem um aparato em seus territórios locais, migram forçadamente de um país para outro em busca de segurança, liberdade e um futuro mais digno.

No processo da busca por refúgio em outros países, além das dificuldades culturais, trabalhistas, econômicas e sociais, os refugiados também passam por processos dolorosos de perda de raízes, costumes e de identidade, aumentando a complexidade da integração desse público à nova dinâmica nacional. Além disso, a falta de amparo da comunidade internacional e da criação e aplicação de políticas públicas que legitimem os direitos dos refugiados intensifica o sentimento de desamparo e torna mais distante a ideia de restabelecimento ou construção de um ambiente favorável para se viver. (SILVA, 2012)

Assim, tendo em vista as dificuldades enfrentadas antes, durante e após o estabelecimento do refúgio, A ACNUR, Agência das Nações Unidas voltada para esse público, criou o Dia do Refugiado, a fim de homenageá-los e trazer visibilidade para a discussão sobre acolhimento e solidariedade no campo internacional, promovendo iniciativas para a conscientização da relevância do refúgio nas esferas regional, nacional e global.

Recentemente, além dos tópicos tradicionais que são abordados quando se trata de refúgio (como perseguição e guerras), um novo conceito emerge nas mesas de negociação: os refugiados climáticos, ou seja, pessoas que entram em situação de refúgio por conta dos impactos das mudanças climáticas, eventos que têm se intensificado nas regiões mais vulneráveis do planeta, reforçando o deslocamento forçado na busca pela sobrevivência (COMENETZ et al., 2002). Em decorrência desses acontecimentos, a expressão refugiado climático ou ambiental foi criado, sendo popularizado no meio científico por Lester Brown em 1970 (BERCHIN, et al, 2017).

O termo mudança climática refere-se à variação do clima em escala global ou dos climas regionais da Terra ao longo do tempo, afetando o equilíbrio de sistemas e ecossistemas já estabelecidos por muito tempo. No âmbito alimentar, observa-se influência desse fenômeno na imigração de peixes por conta do aumento dos níveis dos oceanos e das temperaturas da água, reduzindo as possibilidades de pesca em determinadas regiões, bem como mudanças de temperatura e secas em áreas primordiais para a agricultura, além da maior incidência de desastres ambientais como incêndios florestais e enchentes, possibilitando a contaminação do solo e criação de parasitas (IPCC, 2013).

Regiões marcadas por secas extremas, enchentes e desastres naturais em excesso são geralmente associados a crises migratórias e a presença de pessoas em situação de vulnerabilidade em outros países. Segundo o Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) de 2015, 82% dos refugiados climáticos entre os anos de 2008 e 2014 proviam do continente asiático, cujos deslocamento procederam das enchentes na Índia e China, assim como furacões nas Filipinas (WayCarbon, 2019).

Embora marcados pela perda de seus lares e muitas vezes de seus familiares em virtude dos desastres ambientais em seus territórios de origem, os refugiados climáticos não possuem grandes aparatos legislativos em determinadas localidades, visibilidade midiática onde possam expressar suas dificuldade para além do cenário de desespero que vivenciaram, assim como percepções sociais solidárias para com a chegada deles, o que reforça um ambiente de silenciamento, xenofobia e deslocamento social (OLIVEIRA et al., 2013).

Para além dos desafios enfrentados pelo status de refugiado num contexto de dados assustadores sobre a esfera ambiental, a maioria das pessoas que se tornam refugiados climáticos também precisam enfrentar violências identitárias por conta de sua classe, raça e sexo. Na vivência da refugiada que sofre com os efeitos das mudanças climáticas essas adversidades são aprofundadas, uma vez que elas enfrentam mais diretamente a insegurança alimentar e as violências sexuais como casamento infantil e estupro, explicitando que a vulnerabilidade é atravessada pelas questões e construções sociais, como o gênero.

Outros riscos como exploração e tráfico também atingem mais a mulher refugiada, que, dependendo do seu destino, já sofre com o pouco acesso a serviços de saúde mental, física e reprodutiva. Assim, mesmo quando a liberdade de ir e vir é respeitada dentro e fora de seus Estados, muitas mulheres refugiadas acabam imigrando para países que também são fortemente afetados pelas mudanças climáticas, impactando na instabilidade mesmo após o refúgio (UNHCR, 2020)

Segundo a UNHCR (2020), na esfera pública, as mulheres que buscam refúgio tem oportunidades mais restritas por conta do duplo preconceito enfrentado: a misoginia e a xenofobia. Desse modo, o sentimento de acolhimento é diminuto. Para além da vulnerabilidade oriunda de suas subjetividades enquanto grupo, mulheres são numericamente superiores aos homens nos dados sobre refúgios climáticos, beirando os 80% do total como aponta um relatório produzido em 2010 pela Women's Environmental Network (ESTADÃO, 2010).

À vista disso, discutir refugiados climáticos ignorando a questão de gênero se torna inviável, não apenas pela constituição do grupo ser majoritariamente feminina, mas principalmente pelos impactos desiguais das mudanças climáticas em homens e mulheres e a perpetuação do machismo em seus destinos finais, influenciando na falta de oportunidades e aprofundando o deslocamento social. Ademais, a questão do refúgio climático poderia ser amenizada se houvesse um esforço internacional para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, compreendendo que, apesar de impactar países em escalas diferentes, é uma demanda coletiva e emergencial.


REFERÊNCIAS


ACNUR, Gender, Displacement and Climate Change, 2020. Disponível em: https://www.unhcr.org/5f21565b4.pdf. Acesso em 21 de jun. de 2022.

BERCHIN, Issa Ibrahim, et al. Climate change and forced migrations: An effort towards recognizing climate refugees.Geoforum 84 (2017): 147-150.

COMENETZ et al. Climate variability, political crises, and historical population displacements in Ethiopia Environ. Hazards (2002). Disponível em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1464286703000184

DAOUD, M. Is vulnerability to climate change gendered? And how? Insights from Egypt. Reg Environ Change 21, 52 (2021). https://doi.org/10.1007/s10113-021-01785-z

IDMC, Annual Report 2015, 2015 Disponível em https://www.internal-displacement.org/publications/annual-report-2015

IPCC, 2013: Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change

MULHERES ESTÃO MAIS VULNERÁVEIS AO AQEUCIMENTO GLOBAL. Estadão (Sustentabilidade), 2010. Disponível em: https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,mulheres-estao-mais-vulneraveis-ao-aquecimento-global,519978. Acesso em 18 de jun. de 2022.

SILVA, G. J; et al. Refúgio em Números, 6ª Edição. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Comitê - Nacional para os Refugiados. Brasília, DF: OBMigra, 2021. Disponível em https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/refugio-em-numeros

SILVA, César Augusto S. da (Org.). Direitos humanos e refugiados. Dourados, MS: Ed. Universidade Federal da Grande Dourados, 2012. 144 p. Disponível em http://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/1102

OLIVEIRA, Elizabeth; DE AZEVEDO IRVING, Marta; COUTINHO, Gabriella.

A QUEM INTERESSA A CAUSA DOS REFUGIADOS CLIMÁTICOS? DILEMAS,

PERSPECTIVAS E O PAPEL DA MÍDIA, 2013. Disponível em https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=199528904002




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