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Gênero, Paradiplomacia e Desenvolvimento Sustentável

Maria Eduarda Frota

Franciely Portela

Mahryan Sampaio


Ao longo dos últimos anos, muitas vertentes vêm trazendo novas perspectivas para as teorias tradicionais das Relações Internacionais, e entre elas está o construtivismo. A Teoria Construtivista associou-se às Relações Internacionais na década de 1980, sendo influenciada pelos conceitos de realidade social desenvolvidos na filosofia e sociologia (SALOMÓN, 2016). O construtivismo passou a valorizar em estudos o papel das ideias, do conhecimento e da construção das relações internacionais e seus atores a partir de aspectos sociais e ideológicos, e não apenas materiais. Conforme Mendes (2019, p. 111), a teoria “interessa-se pelos novos atores globais”, como as ONGs e atores transnacionais que passaram a influenciar os interesses dos Estados. Paralelamente ao construtivismo, emerge, em meio aos debates acadêmicos das décadas de 1970 e 1980, a paradiplomacia.

A paradiplomacia, definida como a relação entre os entes subnacionais no cenário internacional, surge como uma nova forma de pensar o papel das cidades no sistema globalizado do pós Guerra Fria, além de se tornar uma abordagem moderna para a própria diplomacia clássica e centralizada. No Brasil, apesar da atuação de governos subnacionais não estar prevista na Constituição de 1988, a paradiplomacia está sendo exercida de forma crescente. De acordo com Ariane Figueira, isso pode ser visto “quando considerado o crescente número de secretarias de relações internacionais criadas no âmbito estadual e municipal” (FIGUEIRA, p.141). Já a diplomacia tradicional refere-se à atividade internacional dos Estados para garantir seus interesses nacionais, delineada no âmbito da política externa e executada mediante representações consulares e diplomáticas. Neste contexto, o diplomata seria o representante do Estado perante outro, atuando em embaixadas, ou representante do Estado perante particulares em outro Estado (consulados).

À medida que outros atores além do Estado foram sendo incorporados às discussões das relações internacionais, o conceito de diplomacia se desenvolveu e evoluiu progressivamente e novos temas foram também adicionados à agenda, como meio ambiente, direitos humanos, economia e cultura. Consequentemente, existem hoje diversas noções de diplomacia que englobam tais temas, sendo a paradiplomacia aquela que pressupõe a atuação de agentes subnacionais nas relações internacionais. Quando a atuação do Estado passou a ser insuficiente na representação dos entes subnacionais, os atores não-estatais (como empresas transnacionais, ONGs e indivíduos) ganharam mais espaço e visibilidade para se relacionarem e, a partir dessa mudança, a política externa dos países deixou de ser somente macro, passando a representar interesses além do nacional.

Atualmente, regiões, municípios e cidades desempenham atividades econômicas buscando atingir objetivos locais de desenvolvimento. Contudo, a paradiplomacia se difere da diplomacia no que tange aos objetivos, pois ao contrário da paradiplomacia, a diplomacia é um instrumento utilizado para atingir interesses no âmbito nacional e internacional. Nas teorias tradicionais de RI, o único ator relevante em nível global é o Estado-Nação, responsável pela tomada das decisões econômicas, militares e sociais do país. Portanto, essa ideia torna-se equivocada quando admitimos, nos tempos atuais, a existência de mais de um ator relevante.

Com o exercício crescente da paradiplomacia, combinado às discussões construtivistas conservadas há mais de 30 anos, crescem também os debates em torno das questões de gênero dentro da área e como estas transpassam praticamente todas as questões humanas. Com isso, sabendo que a construção social do gênero modela nossas relações sociais e humanas, surge o questionamento: qual o papel do gênero dentro das cidades e, consequentemente, quais os desafios apresentados pela Paradiplomacia?

De modo geral, a urbanização não é pensada para pessoas de todos os gêneros. A falta de atenção a essa desigualdade de gênero dentro do planejamento urbano associado a cultura discriminatória acaba por expor as mulheres que vivem nessas localidades a uma série de vulnerabilidades, atrasando o acesso a recursos, oportunidades econômicas e até mesmo diminuindo sua participação comunitária. A base da estruturação do Estado se deu em uma cultura patriarcal e com pouca participação feminina, o que gerou um sistema pouco pensado para a acessibilidade das mulheres, tanto a serviços quanto econômica e política.

Uma pesquisa realizada em 2016 pela organização United Cities and Local Governments apontou que mulheres constituem apenas 5% dos cargos de prefeitura ao redor do mundo. No Brasil, apenas uma mulher foi eleita para prefeitura entre todas as capitais nas eleições de 2020. Porém, nos locais em que as mulheres assumem a liderança, percebe-se a promoção de modelos urbanos alternativos e diferenciados do governo central (NÚÑEZ, 2021). Como exemplos, pode-se observar a ação de Anne Hidalgo em Paris, que assumiu a frente na agenda climática, conseguindo a adesão e o apoio de 54 cidades à Declaração de Paris. Entre essas, encontram-se São Paulo, Londres, Oslo e Buenos Aires.

São Paulo, por sua vez, possui a Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI), criada em 29 junho de 2001 a partir do decreto da ex-Prefeita e atual Secretária de Relações Internacionais, Marta Suplicy, buscando o fortalecimento do poder público municipal, o aprimoramento de políticas públicas a partir de intercâmbio de conhecimento e a visibilidade internacional da cidade de São Paulo. Em razão de sua dimensão, relevância regional e força criativa, São Paulo passou a exercer um papel ativo nos principais debates internacionais. Dessa forma, desde sua criação a SMRI vem acumulando diversas conquistas, nos mais diversos setores e temas.

Durante a gestão de Marta Suplicy, a Secretaria tinha como principal objetivo a projeção da cidade de São Paulo no cenário internacional. Assim, suas ações buscavam fortalecer a presença e importância da cidade na construção de espaços de reflexão, fóruns internacionais e intercâmbios de práticas bem sucedidas das gestões de diversos locais. Algumas destas iniciativas foram estratégicas para intensificar as agendas internacionais. Em seu governo foram fortalecidas as cooperações bilaterais, resultando em intercâmbio de conhecimento, transferências de recursos para São Paulo e aumento do investimento em políticas públicas. Além disso, é possível destacar os esforços da Secretaria para sediar a 11ª Reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, criação da Urbis em São Paulo (feira internacional sobre experiências em políticas públicas) e a participação ativa na fundação da CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos). Em 2021, Marta foi convidada a assumir a Secretaria Municipal de Relações Internacionais de São Paulo:

“Utilizar a experiência que tenho nesta área em benefício de minha cidade levou-me a aceitar esse novo desafio. Sempre acreditei no instrumento do soft power e nas relações entre países e nos intercâmbios de todo tipo. Criei esta secretaria, quando prefeita, e ela tornou-se um dos polos de maior sucesso do nosso governo.”

Marta elencou as prioridades de sua gestão como captação de recursos internacionais, meio ambiente, criação de um Vale do Silício paulistano e combate ao racismo. Sua atual gestão dá continuidade às ações e políticas progressistas que visam igualdade de gênero, como a campanha global “Informe mulheres, transforme vidas”. Promovida pelo The Carter Center, o objetivo da campanha é garantir que as mulheres possam buscar e receber informações, prosperar em suas comunidades e impactar seus governos. A cidade de São Paulo foi escolhida entre 30 cidades do mundo para integrar o projeto.

Ao lado das cidades de Atlanta e Chicago (EUA), Amã (Jordânia), Buenos Aires (Argentina), Cidade do Cabo (África do Sul), Colombo (Sri Lanka), Dhaka (Bangladesh), Dublin (Irlanda), Cidade da Guatemala (Guatemala), Kampala (Uganda), Lima (Peru) e Monróvia (Libéria), a capital paulista criará uma campanha midiática para conscientizar as mulheres sobre o direito à informação para fomentar, de forma mais ativa, a participação feminina na cidade de São Paulo.

Incentivar a perspectiva de gênero desse campo é, para além de buscar representatividade, o caminho para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário das cidades, uma vez que os desafios específicos enfrentados por pessoas que possuem sua identidade de gênero fora do sistema binário-maculino, como questões de segurança pública, saúde, educação e afins acabam transcendendo o Estado Central para se tornar encargos dos Governos Não Centrais (MERCHER, VILLENAVE, 2012).

É fundamental que os governos subnacionais se aliem não somente com o governo central do país, mas também com outros agentes internacionais, a fim de buscar as melhores soluções para a promoção de políticas públicas eficientes, que reconheçam os impactos negativos da intolerância e da negação de direitos que os grupos citados podem vir a sofrer dentro do espaço urbano, por conta da construção cultural patriarcal e discriminatória. Nunes Filho (2014), comenta sobre a importância dessa questão da seguinte forma:

Desse modo, observa-se que para realmente ser estudado em RI é considerado mais vezes em debates internacionais, o tema gênero realmente deve superar obstáculos como enraizamentos culturais, religiosos e até históricos de cada nação. Evidencia-se assim que o gênero precisa de todo o suporte da sociedade civil organizada, do trabalho de Organizações não governamentais (ONGs), de organismos internacionais e do próprio Estado para alcançar um alto patamar em RI (NUNES FILHO, 2014, p. 41).

Ademais, a necessidade dessa inserção já foi devidamente reconhecida pela comunidade internacional a partir de iniciativas das Nações Unidas, como o Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável 5, que busca a igualdade de gênero e a Nova Agenda Urbana do Habitat III, adotada em 2016 no Equador, que incluiu nos seus objetivos a “igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas para que a sua contribuição vital para o desenvolvimento sustentável seja plenamente aproveitada”.

REFERÊNCIAS

AGGESTAM, Karin; TOWNS, Ann. The gender turn in diplomacy: a new research agenda. International Feminist Journal of Politics, 21:1, 9-28, 2019. DOI: 10.1080/14616742.2018.1483206

BENSEGUES, Lucila. Las mujeres y la paradiplomacia. 2020. Área de Genero y Diversidad. Disponível em: https://paradiplomacia.org/artículo/26112020204702. Acesso em: 23 maio 2021.

CABRAL, Marcelo ; JUCÁ, Beatriz. Brasil tem apenas uma mulher entre os prefeitos eleitos em todas as capitais do país. EL PAÍS. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-30/brasil-tem-apenas-uma-mulher-entre-os-prefeitos-eleitos-em-todas-as-capitais-do-pais.html. Acesso em: 23 Mai 2021.

Gender Inequalities in Cities | Publications. publications.iadb.org. Disponível em: https://publications.iadb.org/publications/portuguese/document/As_desigualdades_de_genero_nas_cidades.pdf. Acesso em: 23 Mai 2021.

MENDES, Pedro Emanuel. As teorias principais das Relações Internacionais: uma avaliação do progresso da disciplina. Relações Internacionais, Lisboa, n. 61, p. 95-122, mar. 2019. Disponível em: http://www.ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/ri61/RI61_art08_PEM.pdf

MERCHER, Leonardo; VILLENAVE, Sabrina. GÊNERO E PARADIPLOMACIA: o caso da unidade temática de gênero das mercocidades. Sociologias Plurais, n. especial I, p. 22-42, out. 2012. Universidade Federal do Parana. http://dx.doi.org/10.5380/sclplr.v0i1.64789. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/view/64789/37713. Acesso em: 23 maio 2021.

NÚÑEZ, Adriana Huerta. A gender turn in City Diplomacy: a feminist approach for cities in international relations. 2021. Apuntes Paradiplomáticos Nº 1. Disponível em: https://paradiplomacia.org/artículo/10032021132650. Acesso em: 23 maio 2021.

NUNES FILHO, Máximo Helder Meireles. O construtivismo e a inserção do movimento de gênero na agenda de discussão internacional. 57 f. Monografia (Graduação) - Curso de Relações Internacionais, Faculdade de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais – FAJS, Brasília, 2014. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/235/5985. Acesso em: 23 maio 2021.

SALOMÓN, M. Teorias e enfoques das relações internacionais: uma introdução. Curitiba: Intersaberes, 2016.

São Paulo adere à Declaração de Paris. Prefeitura. Disponível em: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/sao-paulo-adere-a-declaracao-de-paris. Acesso em: 23 Mai 2021.

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