por Isabela Mendes
Antissemitismo
No sentido puramente linguístico, antissemitismo siginifca “hostilidade em relação aos hebreus”. No campo histórico, há que difereciar o antissemitismo antigo e medieval do antissemitismo moderno, pois são fenômenos diversos de causas sociais e econômicas distintas. Mas é fato que se em diversos países, épocas e contextos sócio economicos houve hostilidade contra um mesmo povo, há um fator unificante ligado à questão hebraica.
“A colocação histórica dos hebreus como povo-classe explica, de uma parte, a freqüência de conflitos e perseguições superficialmente atribuídas a fatores religiosos ou ocasionais, mas na realidade derivada de efetivos contrastes de interesses no campo econômico e, de outra parte, como na Europa dos séculos XIX-XX, embora já menos importante os motivos de real conflito econômico, a posição dos hebreus como componente ainda não "assimilado" pela sociedade foi utilizada para desviar a atenção de tensões sociais derivadas de outros fatores bem complexos e muito diferentes” (BELLIGNI, p. 39). O antissemitismo, portanto, não é um fator histórico unitário, apesar da sua particularidade relacionada às perseguições hitlerianas, onde há ligações com outros fenômenos contemporâneos, como o nacionalismo e o imperialismo.
Belligni periodiza o antissemitismo em duas fases. Da Idade Antiga até o século XIX e de 1850 a 1950. Na primeira fase, as motivações eram religiosas, e na segunda étnica e racial. Nota-se que a dispersão dos hebreus ocorreu antes da queda de Jerusalém em 70 d.c, dedicadas ao comércio essas comunidades cumpriam função econômica, sobretudo em Roma e Alexandria. Neste contexto, o antissemitismo “se enraíza nas antigas tradições agrícolas da sociedade romana e no consequente desprezo pelas atividades mercantis; desprezo que nasce, por sua vez, de um profundo antagonismo econômico entre produtores de bens e comerciantes, que se apropriam de uma parte destes bens, mas que são também necessários à sociedade e por isso mesmo inelimináveis” (BELLIGNI, p. 40).
Quando o cristianismo torna-se a religião oficial do Império a política volta-se para a assimilação forçada da religião do Estado e os hebreus são privados de todos seus direitos civis. Com o avanço do comércio na Itália os hebreus perdem o monopólio do comércio europeu e a hostilidade já existente é ainda mais desencadeada. Durante a Peste Negra, por exemplo, os judeus foram acusados de envenenar os poços e foram inclusive expulsos de alguns países da Europa.
Futuramente, no século XIX, os judeus “recompostos” tem seus direitos civis e profissões, mas num contexto de crise econômica e nacionalismo, da-se o antissemitismo moderno. Na Alemanha de 1873, já vê-se o racismo, que fica latente na sociedade até o surgimento do nacional socialismo alemão, quando o Holocausto extermina sistematicamente o povo judeu.
Fascismo
Genericamente, Fascismo é compreendido por um sistema autoritário de dominação no qual há a monopolização da representação política por parte de um partido único de massa, hierarquicamente organizado. Uma ideologia fundada no culto ao chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes.
Há três usos principais para o uso do termo “ Fascismo”, o primeiro diz respeito ao Fascismo como núcleo histórico orginal, especificamente ao Fascismo italiano. O segundo uso diz respeito à dimensão internacional que o Fascismo atingiu, como na Alemanha. O último uso diz respeito ao termo estendido para todos os movimentos e regimes que compartilham certo núcleo de características ideológicas e/ou critérios de organização e/ou finalidades políticas.
As teorias sobre o Fascismo são divididas em singularizantes e generalizantes. A primeira considera o contexto nacional, exemplo desta é o Fascismo italiano pós Primeira Guerra Mundial. A segunda teoria considera o Fascismo um movimento supra nacional, revestido em diferentes contextos históricos.
A categoria generalizante se divide em considerações intrapolíticas - fatores histórico-políticos determinados e historicamente individualizáveis, e transpolíticas- fatores a-históricos, inerentes à natureza humana, ao caráter repressivo da cultura e às características imanentes à luta política. A preferência pela categoria depende do nível de análise escolhido e dos fatores analisados. A teoria singularizante analisa o Fascismo como produto da história e da sociedade italiana, especificamente com a tomada do poder por Mussolini, mas faltava aqui, a percepção da crise que atingiria todo o sistema liberal no entre guerras, contexto em que surgiria as propostas fascistas.
Com a crise de 1929, predominaram as interpretações que enxergavam o Fascismo como supranacional. Porém este modelo unitário foi criticado pela teoria singularizante, que reavaliou as diferenças entre os diversos fascismos, centralizando a análise na dimensão política-ideológica e projetivas do Fascismo italiano em contraste ao nazismo. Uma das abordagens generalizantes sugere o Fascismo como ditadura da burguesia, relacionando o surgimento do Fascismo a crise do capitalismo e do imperialismo, num contexto em que a burguesia precisava diante do conflito de classes, manter seu domínio. Essa teoria entende que a Itália e a Alemanha foram as primeiras a experimentar essa forma de dominação devido à sua distância das grandes potências, mas enxerga a ameaçava pairando sobre os demais Estados capitalistas cujos contextos permitiam o desenvolvimento desse movimento político. No centro da análise do fascismo como ditadura da burguesia, está a instrumentalização dos partidos (expressão dos interesses do capital), e ao caráter contra revolucionário do ataque à organização do proletariado - numa análise marxista. No que diz respeito à crítica ao comunismo, à organização partidária e sua instrumentalização, observa-se que o fascismo é um fenônemo multifacetado que tem relação com o nacional socialismo alemão.
Nacional-socialismo
O termo nacional – socialismo tem sido usado, de maneira geral, por movimentos e ideologias políticas que defendem um socialismo diferente do internacionalista marxista. Por um lado, o nacionalismo foi uma reação à sociedade industrial, por outro, os movimentos nacionalistas defenderam novas formas de nacional – socialismo como alternativa ao feudalismo e ao colonialismo. Mas, o termo é usado e conhecido como nazismo, para se referir ao movimento político alemão, figurado em Hitler.
“Como fenômeno histórico, o Nacional-socialismo tem que ser definido focalizando dois níveis principais: em primeiro lugar, como reação direta à Primeira Guerra Mundial e a suas conseqüências, porém, também, como resultado de tendências e idéias bem mais antigas, relacionadas com a problemática da unificação política e da modernização social — problemática que dominou o desenvolvimento alemão desde o começo do século XIX. Sem dúvida foram a inesperada derrota de 1918 e suas trágicas conseqüências — quer materiais quer psicológicas — que tornaram possível a fundação e a ascensão política do Nacional-socialismo.” (BRACHER, p.807)
A derrota alemã na Primeira Guerra e as consequências materiais e psicológicas tornaram possível a fundação e a ascensão do nazismo, mas, a ideologia nasceu antes da guerra. Os aspectos mais radicais são resultado de várias posições ideológicas fundamentais que formam o pano de fundo dos valores do nacional – socialismo, como raça, espaço vital, liderança, autoridade, sangue e terra, frente e batalha. Não há concordância entre os especialistas sobre as raízes históricas do nacional – socialismo austro alemão, alguns remontam as origens ao passado alemão, outros, como forma de prevenir o renascimento do nazismo, se esforçam para destruir as raízes profundas do nacional – socialismo na Alemanha.
“As raízes ideológicas do Nacional-socialismo, em decorrência dos acontecimentos históricos alemães do século XIX, encontram-se estritamente ligadas às três fases mais importantes da caminhada da Alemanha em direção ao sonhado Estado nacional: a reação nacionalista à ocupação napoleônica (1806-1815); a falência da revolução liberal de 1848; a solução conservadora e militar do problema alemão, durante o Governo de Bismarck, a partir de 1871. Na medida em que progredia o complexo processo da unificação política e da modernização, a idéia nacionalista alemã experimentou um desenvolvimento todo especial chegando a se sobrepor aos ideais liberais e constitucionais. A "nação tardia" tinha a sensação de ser a última a chegar entre os Estados europeus, pronta, porém, para se adequar ao imperialismo e ao colonialismo da época. Em um contexto muito parecido com o italiano, estes sentimentos nacionalimperiais preparavam o caminho para os movimentos pré-fascistas já bem antes da Primeira Guerra Mundial.” (IDEM, p.807)
“As idéias pangermânicas e hegemônicas dominaram todos os movimentos que visavam anexações de territórios na Primeira Guerra Mundial. A derrota destas idéias em 1918, nunca aceita pelos partidos de direita da República de Weimar, levou à formação de grupos radicais antidemocráticos e revisionistas; um deles foi o "Deutsche Arbeiterpartei" que em 1920 tornar-se-á o "National Sozialistische Deutsche Arbeiterpartei" (N.S.D.A.P.). Uma característica básica deste partido foi a continuidade das ideias que dominaram o período pré-bélico; porém, a experiência da derrota na guerra e a crise da república democrática aumentaram a força de sua influência na opinião pública alemã politizada.” (IDEM, p.807)
Em 1918, era fácil mobilizar um nacionalismo agressivo contra o Tratado de Versalhes e suas imposições, mas esse nacionalismo foi fundado na superioridade da raça germânica ou nórdica. Fez do “espaço vital” necessário aos alemães e da superioridade cultural, doutrinas para o futuro do império alemão. “A idéia básica de Hitler era a de manifestar o princípio expansionista do Estado nacional mediante o princípio imperialista do predomínio dos elementos "superiores" biológica e racialmente, orientando seus ataques contra os eslavos, racialmente "inferiores", ao leste e, internamente, contra os judeus, "o inimigo mundial número um".” (IDEM, p.808)
O exército, por sua vez, era status social para quem se inseria nele. Diferentemente de Bismarck, Hitler incluía no projeto a Áustria- Hungria, região onde o nacionalismo antieslavo e anti - semita era sentido há muito tempo. O partido de Hitler foi fundado em Munique, na Baviera, região ligada ao misticismo alemão e à religião católica da grande Alemanha. Mas, foi devido à tradição político militar estadual da Prússia que, houve o processo de militarização e o Estado totalitário consolidou seu poder. Os valores do nacional – socialismo não são uma teoria coerente e sim resultado de ideias, esperanças e emoções, unidos por um movimento político radical, numa época de crise. Devido à tendência antidemocrática existente e ao nacional – socialismo, a Alemanha, diferentemente de outros países escolheu o caminho do Terceiro Reich, e a causa final foi a ruptura entre o pensamento político alemão e o pensamento político ocidental. Antes da guerra, os precursores do anti – semitismo não tinham possibilidade de sucesso, só alcançou grandes dimensões violentas quando se incorporou a um movimento de massa antidemocrático. Os defeitos da política alemã contribuíram para a ascensão do nacional – socialismo, a democracia foi considerada responsável pela derrota na Primeira Guerra.
“Os fundamentos nacionalistas implicam a existência de profundas diferenças entre um e outro país; daí não ser possível explicação alguma monocausal baseada em premissas econômicas, políticas ou ideológicas. O Nacional-socialismo, assim como Hitler, foi o produto da Primeira Guerra Mundial, porém, recebeu sua forma e sua força daqueles problemas básicos da história alemã moderna que caracterizaram a difícil caminhada do movimento democrático.” (IDEM, p.809)
Bracher salienta alguns problemas, como, a fragilidade da tradição democrática, os resíduos de instituições autoritárias, a fácil aceitação das ideias nacionalistas e imperialistas, a revolta à paz de Versalhes, a crise de uma República que nunca conseguiu apoio total da população, as consequências da depressão econômica num Estado industrializado e dividido social e religiosamente, e o medo do comunismo. O autor também ressalta a veneração quase religiosa do líder, Hitler, que, “em termos de psicologia social, ele representa o homem comum, em posição de subordinação, ansioso para compensar seus sentimentos de inferioridade através da militância e do radicalismo político. Seu nascimento na Áustria, seu fracasso na escola e na profissão e a experiência libertadora da camaradagem masculina durante a guerra, forjaram, ao mesmo tempo, sua vida e a ideologia do Nacional-socialismo.” (IDEM, p.810)
“O Nacional-socialismo se estruturava com base num darwinismo social nacionalista, racista e muito simplificado, tornado popular pelos escritos de radicais sectários. Porém, ao mesmo tempo, procurou, mediante uma mistura eclética de programas doutrinários e políticos, atingir todas as camadas da população. Os primeiros slogans do Nacionalsocialismo, pelo seu sucesso imperialista e expansionista e pela submissão ao Governo ditatorial nacionalista, foram elaborados para distrair a classe média e a classe operária dos reais problemas internos. A "comunidade nacional" foi escolhida para ser a panacéia que curaria os males econômicos e políticos, no lugar do pluralismo econômico e da sociedade classista. As doutrinas militaristas e racistas foram os instrumentos utilizados para enganar e conquistar a população.” (IDEM, p.810)
Bracher afirma que, o desejo autoritário de ordem, o culto ao líder, o antissemitismo fanático e a ação acima da razão são fundamentos irracionais. Hitler chegou ao poder com manobras eficazes e enganadoras. Além disso, Hinderburg ajudou o partido nacional – socialista a sair da posição minoritária e nomeou Hitler chanceler, se articulando assim, a revolução nazista. Quando as forças democráticas se tornaram minoria, grande parte dos dirigentes alemães optou por apoiar Hitler e “a fatal ascensão de Hitler está intimamente relacionada com uma marcante seqüência de acontecimentos que se verificaram na Alemanha nos séculos XIX e XX, embora o Nacional socialismo não possa ser identificado com a história alemã.” (IDEM, p.811)
Em cinco meses o regime nacional socialista alemão tomou o poder e suprimiu as forças e instituições políticas, culturais e sociais. O regime totalitário foi realmente implantado em 1934 quando, após a morte de Hindenburg, Hitler se nomeou chefe do Estado (ditador). Por fim, o autor conclui que a ideologia na conduta política do nacional socialismo alemão eliminou milhões de vidas de judeus. Assim, em 1945 o fracasso do nacional socialismo serviu para mostrar que a ditadura não é mais eficiente para a ordem do que a democracia.
Então, “os excessos que marcaram o declínio do Terceiro Reich evidenciaram a verdadeira natureza de um sistema que, contrariamente ao afirmado pela sedutora teoria da ditadura, não proporcionou a seus cidadãos sequer ordem política e Governo eficaz, e muito menos segurança maior e possibilidades melhores de se expressarem; ao contrário, erigiu-se exclusivamente sobre o despotismo organizado e sobre crimes pseudolegais e mal escondidos.” (IDEM, p.812) O preço pago foram milhões de mortes de judeus e o autor encerra afirmando que “ a culpa da Alemanha, principalmente com relação aos povos da Europa oriental, e a expulsão, por vingança, de todos os alemães destes territórios, permanecerão para sempre como a herança deixada pelo Nacional-socialismo.” (IDEM, p.812)
Uma vez definido os termos “antissemitismo”, “fascismo” e “nacional-socialismo”, devemos sempre lembrar que os campos de concentração nazistas denunciam um processo social de respaldo legitimado por toda uma sociedade, testemunhas caladas de atrocidades em nome de uma esperança falsa num regime autoritário e nas ideologias do projeto de vida pautado por um único grande líder, sem qualquer racionalidade ou impedimento. Sobre essas questões, as obras da filósofa alemã Hannah Arendt são leituras necessárias.
Totalitarismo na análise de Hannah Arendt
Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica, estudou o totalitarismo e suas horrorosas consequências como fruto do colapso da moralidade. Teve os governos nazista e stalinista como objeto de estudo onde observa e aponta aspectos desumanos. Em seus escritos, discorre sobre o antissemitismo, visto que o povo judeu foi o mais violentado na história da humanidade pelo regime totalitário.
Kant, presente na análise de Arendt, coloca o medo de se submeter à humanidade de outro ser como o fator que leva à natureza humana à um patamar onde se nega a moralidade para se impor como superior aos demais. Arendt entende que ninguém deseja ser mal e que ao o ser mente a si próprio para suportar seu autodesprezo num regime em que a moral é renegada. Arendt analisa que no nacional-socialismo, a própria natureza humana está em jogo e pontua que o desrespeito à pluralidade, isto é, à democracia, reduz a esfera pública à uma reprodução de propaganda ideológica (o nazismo tinha o judeu como bode expiatório), e entende que isso permite a violência e o terror.
Sobre o espaço público, ou seja, o convívio e organização em sociedade, ela observa que o papel do indivíduo no sistema é tal que a sepração do espaço público do espaço privado é impossibilitada. Aponta também para a burocracia como domínio e define o terror como a destruição do elo que liga as pessoas umas as outras, ou seja, da humanidade. Observa o movimento da massa, cuja irracionalidade permite a permanência constante do terror, onde as vítimas estão sempre expostas à um medo imensurável.
A máxima desse terror se dá nos campos de concentração, nas palavras da filósofa, um inferno criado pelo próprio homem. Que nesta data de conscientização contra o Fascismo e o Antissemitismo, relembremos das atrocidades passadas para lutarmos contra sua repetição no nosso presente, de maneira ao futuro ser melhor. Ouçamos os sobreviventes, olhemos para os sofrimentos de todos os povos e preservemos nossa humanidade, evitando sermos uma cabeça não pensante na massa, especialmente em tempos pandêmicos, de crise econômica em que oportunistas e autoritários propagam discurso de ódio.
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira.1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo e Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. 8ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BELLIGNI, Silvano. “Anti-semitismo”, in: Dicionário de Política da Unb, Brasília.
BOBBIO, Norberto. “Fascismo”, in: Dicionário de Política da Unb, Brasília.
BRACHER, Karl Dietrich. “Nacional – Socialismo”, in: Dicionário de Política da Unb, Brasília.
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. António Marques e Porto: Ed. Imprensa Nacional. 1997.
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