Emily Barbosa
Mariana Ferreira
Ao se pensar em missões espaciais, a Índia possivelmente não é está entre as primeiras nações que passam pela sua mente e remetem ao sucesso no espaço. No entanto, apesar de pouco reconhecimento, o país é destaque na área e recentemente conquistou uma das maiores façanhas ao se tornar um dos quatro países a pousar na lua.
Com grande repercussão interna e em uma missão histórica, em 23 de agosto de 2023, a Índia pousou na lua, mais especificamente no polo sul, um território até então desconhecido e de muita importância para os cientistas da área por conta de especulações sobre reservas de água, característica essa essencial para a manutenção das explorações pois, uma vez que haja reserva de água, mesmo que congeladas, podem vir a se tornar uma fonte potável que facilitaria a exploração lunar.
A comoção nacional também se dá pelo momento delicado que o país se encontra, tendo em vista os constantes conflitos civis incentivados, também, por questões religiosas e pela escassez de recursos em um país de 1,4 bilhão de habitantes. O momento é de inspiração para o povo indiano e seu programa espacial merece destaque pelo baixo custo e alta eficiência, tornando o país atrativo para acordos políticos. A expectativa é que um programa espacial eficiente fortaleça a imagem da Índia para o mundo, tornando o pouso um marco dos avanços enquanto potência.
As mulheres por trás e frente ao sucesso
Quando falamos sobre as mulheres indianas, nos deparamos como uma realidade totalmente diferente da encontrada no Brasil. As ondas feministas trouxeram mudanças e demandas sobre os direitos femininos nunca antes visto, porém devido a estruturalização da cultura indiana como patriarcal, a luta pelo direito de igualdade segue sendo árdua. Com o alcance da independência do país no século XX, houve um vislumbre de um futuro melhor para as indianas, como o direito ao divórcio, direitos trabalhistas, acesso a saúde e a educação; Em 2018 a Índia foi considerada o país mais perigoso para ser mulher,(Fundação Thomson Reuters,2018). Em pleno 2023, cinco anos após esse levantamento,a Índia ainda é um país perigoso para ser mulher.
Dada a ocidentalização do consumo midiático, não é comum se ver na mídia internacional coberturas sobre as conquistas das mulheres indianas quando comparadas a outros movimentos feministas. Pouco se fala sobre sua luta pela obtenção de direitos igualitários, contudo, por exemplo, desde 1970 as mulheres dalits, que são culturalmente vistas como impuras e responsáveis por executarem tarefas consideradas indignas de serem ministradas pelas demais ordens da sociedade, lutam contra a opressão das castas, e mesmo sendo vistas como um dos maiores grupos segregados no mundo, foi a partir delas que se deu o surgimento do primeiro jornal escrito por mulheres, o Khabar Lahariya, ganhador do prêmio de alfabetização da UNESCO (Manghirmalani,2021).
Em janeiro de 2020, duas cientistas indianas, Muthayya Vanitha e Ritu Karidhal, chamaram atenção da mídia por chefiar a Chandrayaan-2, missão que tinha como objetivo levar a primeira sonda indiana ao lado sul do nosso satélite natural. A missão falhou quando o contato com a sonda foi perdido quando esta se encontrava a apenas 2,1 quilômetros da superfície lunar. Porém, a partir de novas novas tentativas, agora em 2023 a missão Chandrayaan-3, novamente liderada por mulheres, obteve êxito. Tamanho sucesso nos faz questionar: onde estão e quem são as mulheres indianas na ciência?
Segundo Gupta e Sharma (2002) em seu estudo sobre mulheres cientistas acadêmicas na Índia,
o estímulo para que a mulher estude nessa estrutura social é precário desde sua juventude, tendo em vista que a própria família prefere investir e incentivar os estudos do filho, já que se investisse na carreira da filha estaria beneficiando apenas a família do futuro marido, segundo a lógica sociocultural predominante naquele país. (GUPTA; SHARMA, 2002)
Além das dificuldades comumente encontradas pelas mulheres em outros países, as mulheres indianas são também submetidas a leis e normas sociais que desfavorecem sua atuação enquanto cientistas. Infelizmente, ainda lutamos pela quebra de estereótipos e discriminação contra mulheres e meninas no campo da ciência. A participação e êxito das mulheres cientistas na missão Chandrayaan-3 se tornou uma grande e bem-vinda surpresa para a luta em questão, e outros grandes nomes femininos na ciência indiana merecem ser acompanhados.
Sunetra Gupta é professora de Epidemiologia Teórica e foi ganhadora do Prêmio Rosalind Franklin da Royal Society em 2009 devido às suas pesquisas sobre doenças infecciosas. Em 2020, participou de estudos sobre COVID-19 junto com os Doutores Martin Kulldorff e Jay Bhattacharya, que resultaram na criação da Declaração de Great Barrington,surgiu de um movimento onde se falava que a política de restrição rigorosa até a criação de uma vacina contra o COVID -19, impactariam de modo negativo para os menos privilegiados, sendo um dos efeitos a diminuição das taxas de vacinação infantil. Ela foi assinada por mais de 938.000 pessoas .
Asima Chatterjee é pesquisadora na área de Química Orgânica e foi a primeira mulher indiana a obter um Doutorado em Ciências em uma renomada universidade indiana, a Universidade de Calcutá. Alguns de seus principais estudos incluem pesquisa sobre alcalóides da vinca e o desenvolvimento de fármacos anti-epilépticos e anti-malária.
A Dra. Anandibai Joshee é considerada uma das primeiras médicas a praticar medicina ocidental na Índia. Janaki Ammal, botânica, ficou conhecida pela fitogeografia e citogenética, onde a fitogeografia é o estudo da origem, adaptação e distribuição das plantas de acordo com sua localização geografia, e a citogénetica é o estudo que analisa os cromossomos. Em decorrência de seus méritos, Ammal se tornou Diretora Geral no Botanical Survey of India, uma Organização do Ministério do Meio Ambiente, Florestas e Mudanças Climáticas da Índia.
Por último, mas não menos importante entre os exemplos de cientistas indianas, estão a Dra. Aditi Pant, bióloga marinha, e Sudipta Sengupta, geóloga, as primeiras mulheres indianas a visitar a Antártida, em nome do Programa Antártico Indiano de 1983.
Dentre alguns de muitos nomes, é possível pensar que, sim, existem mulheres indianas cientistas, e sim, elas têm contribuído ativa e arduamente pelo desenvolvimento da sociedade como um todo, em campos para muito além do acadêmico e astronáutico, e mesmo que sejam injustamente pouco reconhecidas internacionalmente e que os padrões culturais dificultam seus ingressos, elas vêm se abrindo cada vez mais espaço na ciência.
Referências
Capa: Muthayya Vanitha, Project Dirctor, ISRO, Chandrayaan-2;
Image: Pallava Bagla / Corbis Via Getty Images.
Fashionlady. 10 indian women scientists who have made our nation proud. 28 de fevereiro 2019. Disponível em:< 10 Indian Women Scientists Who Have Made Our Nation Proud (fashionlady.in)> .Acesso em: 22 de setembro,2023.
Gupta, Namrata.; Sharma, Arun K. Women academic scientists in Índia. Social Studies of Science. v.35, n.5-6, p.901-915, 2002.
Great Barrington, A Declaração de Great Barrington. <Great Barrington Declaration (gbdeclaration.org)> Acesso em: 22 de setembro,2023.
Manghirmalani, Juily. A luta das mulheres na Índia. Estatística. Abril, 20 maio.2021. Disponivel em: h> Acesso em: 22 de setembro, 2023.ciais/mulheres-india-feminismo-dalits-castas/ Ac> .Acesso em: 22 de setembro, 2023.
Marasciulo,marilia. Quem são as mulheres por trás de missões espaciais indianas.02 de janeiro de 2020. Disponível em:< Quem são as mulheres por trás de missões espaciais indianas - Revista Galileu | Espaço (globo.com)> .Acesso em: 22 de setembro, 2023.
Thomson Reuters Foundation. Pesquisa revela os 10 países mais perigosos do mundo para as mulheres.26 de junho de 2018. Disponível em: <EXCLUSIVO-Pesquisa revela os 10 países mais perigosos do mundo para as mulheres | Reuters> .Acesso em: 22 de setembro, 2023.
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