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As mulheres e as forças armadas revolucionárias da Colômbia

Atualizado: 18 de mar. de 2021

por Isabella Fontaniello

O texto apresentado foi desenvolvido com base a uma pesquisa que tinha como objetivo compreender como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia possuía uma igualdade numérica, mas não possuíam mulheres ocupando cargos altos na guerrilha. O movimento armado afirmava, através de comunicados, ser a organização armada com o maior número de mulheres na Colômbia, correspondendo a 40% em sua estrutura como um todo e chegando a 50% em algumas frentes (O’NEILL, 2015). No início, elas eram responsáveis por realizar apenas tarefas domésticas. Contudo, entre 1970 e 1980, passaram a ocupar espaços como combatentes. (MEDINA, 2000). A guerrilha alegava possuir igualdade de gênero e que todos poderiam participar dos cargos que desejassem.

A partir disso, pode-se pensar que as mulheres não participam dos cargos superiores por livre escolha – ou seja, aqueles espaços nunca as atraíram, mesmo sendo atribuídas a elas as mesmas oportunidades oferecidas aos homens. Porém, esse debate apresenta algumas controvérsias, pois ex-guerrilheiros declararam que o funcionamento da estrutura das FARC não acontecia dessa maneira. Com base nessa contraposição, há a afirmação de que a ausência de mulheres nestes altos cargos é justificada em razão de possuir poucas oportunidades dentro do movimento (WELSH, 2015).

No entanto, em casos que as mulheres atingiam melhores cargos, era dado por dois motivos. O primeiro era porque eram companheiras de homens que estavam nos cargos altos da guerrilha e o segundo consistia nas práticas de atos sexuais, para que estas mulheres conseguissem ter privilégios na guerrilha, ou seja, o corpo da mulher era utilizado como uma moeda de troca. Contudo, esses privilégios não eram insignificantes, tendo em vista as regras que as controlavam (GONZÁLEZ et al. 2015).

Através destes relatos, é possível observar que as mulheres viviam em um ambiente hostil, e que, dessa forma, a sua ausência de mulheres em cargos superiores não se dava apenas por uma escolha individual, e sim em razão de influência masculina, ou submissão sexual ao gênero oposto. Em consonância a essa submissão, a estrutura tanto da guerrilha quanto da própria sociedade colombiana sempre esteve guiada em bases patriarcais. As mulheres mais pobres, que viviam tanto na zona urbana quanto na zona rural, buscavam a guerrilha para que pudessem ter mais escolhas do que dentro de seus próprios lares. Com essa afirmação, é possível conceber que a guerrilha foi um ambiente com mais igualdade do que quaisquer outros da Colômbia. Porém, ainda na mentalidade dos guerrilheiros, as mulheres não se preparavam para o poder, enquanto os homens mandavam de maneira natural, tal como descrito pelo conceito de masculinidade hegemônica, em que associa o homem enquanto autoridade, domínio, força física e resistência. No início dos recrutamentos das mulheres, muitos homens acreditavam que elas não tinham características para serem boas guerrilheiras, já que consideravam as mulheres incapazes de se desligarem dos seus sentimentos. A força física também era colocada em pauta para diminuir as possibilidades das mulheres em primeiro momento na guerrilha. Com essa dependência, a mulher passa, mais uma vez, a ser colocada como vulnerável e dependente do mando de um homem para realizar suas tarefas (GONZÁLEZ et al. 2015). Através disso, pode-se retomar a afirmação de que a sociedade tem uma concepção da mulher enquanto uma figura do espaço doméstico. As mulheres podem até ocupar cargos em guerrilhas, contudo elas são alocadas em funções que atribuem a submissão da mulher à figura masculina, tais como executar serviços semelhantes aqueles que são atribuídos ao gênero feminino, obedecendo assim às características do patriarcado.

As Mulheres Enquanto Personagens

Para que as mulheres alcancem a esfera pública existe um esforço ainda maior, porque quando ocupam espaços considerados majoritariamente masculinos, também devem apresentar características masculinizadas, atribuindo inferioridade à figura feminizada. Assim, é possível retomar as visões sobre a maneira em que as mulheres são colocadas na sociedade, que argumenta sua posição de fragilidade (FRITZSCHE, 2010). Os homens que não seguem esse padrão também sofrem com essa imposição de gênero, em razão de possuírem características feminizadas (RUNYAN et al. 2014).

O processo de recrutamento das mulheres dentro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia é realizado de forma igual aos outros que são interessados em compor o movimento. No entanto, no que se tratava das regras dos mecanismos de controle, as mulheres possuíam um tratamento diferente, pois suas regras eram mais “duras” que a dos homens (como por exemplo, a renúncia à maternidade). Entretanto, a inserção das mulheres era de interesse da guerrilha pelo fato de propiciar um fortalecimento do grupo armado, de tal modo que o governo passou a conceber que com a participação de mulheres eles deveriam tomar mais cuidado ao realizar suas ações (WELSH, 2015). Além da questão do governo, a mulher era como um atrativo para o recrutamento dos homens que a guerrilha estava interessada, e também poderia ser usada para conseguir informações de inimigos para o grupo armado, uma vez que a entrega do corpo da mulher era um ato considerado heroico para os demais guerrilheiros (GONZÁLEZ et al. 2015).

Dentro do meio militar das FARC, as mulheres tinham a necessidade de se mostrarem competentes a todo o momento ou contrário dos homens. Como argumenta Barth (2002): "A dedicação das mulheres a uma causa, e seu desejo de provar que são tão benéficas para a guerrilha quanto os homens, levaram, em geral, as mulheres a trabalhar arduamente" (BARTH, 2002 p.18). Nesse sentido, pode-se questionar se o número de mulheres dentro da guerrilha realmente pode ser colocado como algo satisfatório e passível de ser visto como uma possível igualdade de gênero, pois, quando se começa a analisar a dificuldade da mulher chegar a um lugar, mesmo que simples da guerrilha, a visão da equidade de gênero é quebrada (BARTH, 2002).

A guerrilha apresentava um valor numérico elevado de participação de mulheres, mas não lutava de forma efetiva para que elas obtivessem as mesmas oportunidades que os homens. Outro aspecto importante a ser abordado é que as mulheres eram avaliadas a partir dos parâmetros estabelecidos pelos homens, como se não fosse possível superá-los. Assim, muitas mulheres que eram melhores que os homens em determinadas tarefas eram privadas de fazê-las, não conseguindo exercer suas reais habilidades (GONZÁLEZ et al. 2015).

A necessidade masculina pelo poder é o motivo pelo qual as mulheres não podem demonstrar habilidades melhores do que a dos homens. Assim, a definição de masculinidade hegemônica está baseada na hierarquia, onde o homem domina e a mulher é a subordinada. A partir do momento que essa estrutura se rompe ambos ficam em uma mesma posição. Deste modo, ao ter mulheres ocupando cargos altos e “quebrando” com a chamada “masculinidade hegemônica”, o homem perde a força que possui de dominador e seu lugar de privilégio dentro das estruturas sociais (FRITZSCHE, 2010).

No entanto, pode-se debater essa questão dentro de um escopo da liderança feminina no grupo, que a princípio é visto como se a estrutura patriarcal estivesse presente apenas dentro dos altos cargos. Todavia, quando se começa a pensar no recrutamento geral e a forma de comportamento que as mulheres precisam adquirir para serem respeitadas da mesma forma que os homens dentro da guerrilha, torna-se possível perceber que não é apenas um caso isolado dentro do grupo. A partir disso, é possível retomar o debate das mulheres nos cargos superiores no movimento. A estrutura das FARC era bem definida e embora os homens e mulheres tivessem que ganhar sua posição, havia poucas mulheres que conseguiam chegar a cargos melhores (GONZÁLEZ et al. 2015).

Para que seja possível entender a questão das oportunidades para as mulheres dentro do movimento, é necessário resgatar a masculinidade hegemônica como uma visão de não se conseguir compreender a mulher como capaz de gerir um grupo, tendo a necessidade de que o homem seja seu protetor e o responsável por guiá-la nos meios masculinizados. As mulheres não estão presentes em todas as camadas da sociedade e essa ausência é o resultado da falta de oportunidades que possuem, buscando então assumir outras características para entrar em meios sociais, tornando-se uma personagem. Assim, apenas o fato de ser mulher já é considerado pejorativo, ao contrário de uma atitude masculina, que muitas vezes é vista como heroica ou normal do estereótipo daquele gênero. Desse modo, a exaltação do masculino afeta diretamente as mulheres.

Há relatos de ex-guerrilheiras desejava o reconhecimento dentro da guerrilha, mas o eram desencorajadas, pois acreditavam que suas habilidades e capacidades nunca eram suficientes. Isso se dá ao fato da falta de representação naquele grupo. Quando se tem mulheres em todos os cargos, e sendo reconhecidas por seu trabalho, faz com que outras se inspirem, aumentando sua autoconfiança (GJELSVIK, 2010). O que era comum entre as guerrilheiras era abandonar todos seus gostos, vontades e maternidade para que fossem melhores combatentes, o que não ocorria para os homens. E, a partir do momento que saíam dessa estrutura, percebiam que nada foi feito efetivamente para elas, mas apenas para o grupo. A guerrilha, tal como todas as outras estruturas de grupos armados colombianos, possuíam uma forte dominação masculina, mas por se tratar de um meio revolucionário, defendia que as mulheres eram absolutamente livres e desfrutava de plena igualdade – assumindo as mesmas responsabilidades, com os mesmos empregos e possuindo os mesmos direitos que os homens. As lideranças das FARC tentaram tratar de assuntos relacionados a gênero, procurando definir diretrizes para se acabar com a discriminação contra as mulheres. No entanto, como a própria guerrilha reforçava essa discriminação, esse plano não conseguiu ocupar uma agenda dentro do grupo (SÁNCHEZ, 2014)

Portanto, nota-se que a abordagem feminista é fundamental para explicar a mulher como personagem em razão de atribuir ferramentas para compreender o fenômeno da mulher se sujeitar a se masculinizar para ocupar os meios sociais e militares. O próprio pensamento sobre a masculinidade hegemônica auxilia na compreensão da não inserção da mulher utilizando da sua figura feminizada, o que é notável no momento que elas precisam fazer um esforço maior que dos homens para ocuparem cargos simples. Assim, as para se ter uma igualdade é necessário que as mulheres não sejam prejudicadas apenas pelo seu gênero. Conclusão

As mulheres dentro da guerrilha colombiana experimentaram de diferentes regras, hierarquias e tratamentos. A princípio, analisando os números de participação dentro da guerrilha, é possível argumentar que a guerrilha possui igualdade de gênero em sua composição. Mas à medida que se busca responder porque as mulheres não ocupam altos cargos dentro da guerrilha, percebe-se que de maneira geral a guerrilha se constituía por formatos baseados nas relações patriarcais. A partir dessa concepção geral da guerrilha, observa-se como a dominação da masculinidade hegemônica acontece: (1) Excluindo as mulheres e não dando as mesmas oportunidades de liderança, porque socialmente ela não é considerada apta a estar nessa posição. (2) As mulheres, para participar tal como os homens, deveriam possuir características masculinas. (3) Excluindo as mulheres dos meios de guerra. Assim, as mulheres não conquistaram espaços em altos cargos por conta da masculinidade hegemônica presente na guerrilha. As Forças Armadas Revolucionária da Colômbia não permitiam que as mulheres obtivessem os melhores cargos, mesmo quando alegava que seu estatuto não possuía diferenças de gênero, mas a descrição das necessidades da masculinização do cargo deixava as mulheres excluídas do movimento. Portanto, a ausência de oportunidades para as mulheres em altos cargos na guerrilha é justificada pelo viés patriarcal do movimento.

Referências BARTH, Elise Fredrikke. Peace as Disappointment. The Reintegration of Female Soldiers in Post- Conflict Societies: A Comparative Study from Africa. International Peace Research Institute, Oslo (PRIO), 2002.

FERRO MEDINA, Juan Guillermo. As FARC: Dimensão Organizacional e Política.Dissertação (Mestrado) Campinas, São Paulo: Unicamp, 2000.

FRITZSCHE, Nora. The Construction of Masculinity in International Relations. The Interdisciplinary Journal of International Studies, Aalborg University, vol. 7 no. 1.2011.

GONZÁLEZ, Johanna et al. Mujeres “Guerrilleras”: La Participación De Las Mujeres En Las Farc Y El Pcp-Sendero Luminoso, Los Casos De Colombia Y Perú. Université Le Havre Normandie, 2015

GJELSVIK, Ingvild Magnæs. Women, war and empowerment: A case study of female ex-combatants in Colombia. Master‟s thesis in Peace and Conflict Transformation. Dissertação (Mestrado). University of Tromsø, 2010.

PETERSON, V. Spike; RUNYAN, Ann Sisson.Global Gender Issues In The New Millennium. Fourth Edition, Westview Press, 2014.

O’NEILL, Jacqueline. Are Women the Key to Peace in Colombia?2015. Disponível em: <http://foreignpolicy.com/.../are-women-the-key-to-peace.../>. Acessado em: 10. Jul. 2019.

WELSH, Alexandra. Women of the Jungle: Guerrilleras on the Front Lines of the FARC-EP.Glendon Journal of International Studies, York University, 2015)

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