Por Franciely Portela
Entre os princípios democráticos defendidos por diversos autores do campo da Ciência Política e das Relações Internacionais, o sufrágio é, possivelmente, aquele que maior se atrela aos movimentos feministas do final do século XIX e meados do século XX. O sufrágio seria o direito ao voto e o direito de ser votado garantido a todos os cidadãos — no Brasil, opcionalmente a partir dos 16 anos e obrigatoriamente a partir dos 18 anos, para todos independente do gênero, sexualidade, classe, raça ou religião — mas, conforme a história nos mostra, inúmeros e indispensáveis movimentos precisaram tomar lugar nas relações políticas e sociais para que esse direito, hoje visto como básico, precisasse ser garantido não apenas aos homens — brancos — mas a qualquer indivíduo.
Enquanto a Nova Zelândia se tornava o primeiro país a garantir o sufrágio feminino em 1893, dada a influência dos movimentos sufragistas de uma França pós-Revolução Francesa, foi apenas trinta e nove anos depois, em 1932, durante o governo Vargas, que o direito alcançou as mulheres brasileiras.
Ainda que garantido apenas no século XX, o debate sobre o voto feminino foi apresentado ao Congresso Nacional brasileiro em 1891 — anterior à própria Nova Zelândia — quando, conforme D’Alkmin e Amaral (2006), alguns deputados influenciados pelo movimento sufragista norte-americano e inglês “propuseram estender o direito de voto às mulheres que possuíssem diploma de curso superior e não estivessem sob a custódia do pai.” Como as datas apontam, a tentativa foi falha, pois os congressistas viram a tentativa como “anárquica”, além de basearem-se em incoerências como a “inferioridade da mulher” e o “perigo da dissolução da família” (D’ALKMIN; AMARAL, 2006, n.p).
Mesmo a instituição do voto feminino em 1932 não garantia o direito a voto a toda e qualquer mulher. Segundo Motta, Tolotti e Gomes (2015), conforme o Código Eleitoral Provisório de 1932, seriam consideradas como votantes apenas mulheres casadas que possuíssem o aval de seus maridos, ou viúvas e solteiras com renda própria. Dois anos depois, pela Constituição de 1934, tais restrições foram revogadas, e a obrigatoriedade do voto se manteve para homens e mulheres maiores de 18 anos, exercentes de funções públicas remuneradas e alfabetizados. Os, naquela época, considerados mendigos — o que hoje interpreta-se como pessoas em condição de miséria, moradoras de rua e cujos direitos básicos lhes são negligenciados — ainda que fossem homens, não possuíam o direito ao voto, e dada a obrigatoriedade do saber ler e escrever, somos levados a interpretar que poucas pessoas negras, dada a precariedade do sistema de um Brasil pós-abolicionismo, possuíam também o direito ao sufrágio.
Foi apenas em 1946 que a obrigatoriedade do voto passou a ser aplicada sem distinções a tanto homens, quanto mulheres, e foi a partir da Constituição de 1988 que o voto passou a ser de fato para todos, obrigatório aos maiores de dezoito anos, facultativo aos maiores de setenta anos, aos analfabetos, e aqueles entre dezesseis e dezoito anos — ainda que as permissões a moradores de rua sejam ignoradas na história e na política por, muitas vezes, não possuírem título de eleitor.
Independentemente do sufrágio ser um direito universal, existe um debate no qual questiona-se se o voto é de fato um direito ou uma obrigação. Conforme dito anteriormente, votar é, atualmente no Brasil, uma obrigatoriedade aos indivíduos entre dezoito e sessenta e nove anos, excluindo-se a justificação da ausência nas eleições, mas tal obrigatoriedade não necessariamente está atrelada a algo negativo, pelo contrário: é através do direito ao voto que a participação política dos indivíduos é garantida.
Ainda que a contribuição econômica da mulher tenha sido conquistada, diminuída e reconquistada ao longo dos séculos dado os avanços e retrocessos das relações sociais, a contribuição feminina na política apresenta um gradativo, ainda que lento, avanço. Passamos por períodos históricos nos quais somente homens brancos, ricos e “intelectuais” eram votantes e votados, para milhares de mulheres lutando ao redor do globo pelo direito de poder influenciar as tomadas de decisões políticas e sociais de suas nações, e até mais inédita e recentemente, uma mulher na presidência da república brasileira.
No Brasil, destacam-se dois nomes na luta sufragista: Bertha Lutz e Almerinda Farias Gama. Se por um lado o nome de Bertha é provavelmente o primeiro a vir à mente quando pensamos no ativismo feminino do início do século XX, a presença de Almerinda, uma mulher negra, é invisibilizada e pouco discutida, ainda que ambas, em suas completas influências e relevância, tenham atuado de forma semelhante e quase paralelamente pelos direitos das mulheres.
De forma um pouco controversa, Bertha, ao tornar-se conhecida no âmbito público brasileiro, foi tida, conforme Karawejczyk (2018), como a “representante de um “bom” feminismo, abrindo para interpretação de que haveria outros, perigosos, que deveriam ser evitados”. Na mesma época, em 1922, a ativista fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), a qual se conectaria com Almerinda.
De acordo com Tenório (2021), Almerinda, como mulher negra e de classe baixa, "saía às ruas diariamente na luta pela sobrevivência a partir do trabalho assalariado”, em “uma sociedade fortemente marcada pelo racismo, pelo classismo e pelo patriarcado”. Tendo trabalhado como datilógrafa e jornalista, acompanhava desde jovem as ações do movimento sufragista internacional através do que era divulgado na imprensa, e
foi a única mulher negra e integrante da classe trabalhadora assalariada entre as lideranças da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), a principal entidade da primeira onda do feminismo no país e que encabeçou a campanha pela admissão feminina na vida política brasileira. (TENÓRIO, 2021, online)
De forma complementar, ambas se tornaram símbolos da luta sufragista no Brasil, representando grupos diferentes na busca por lugares na política. Suas ações abriram espaço para que gerações seguintes de mulheres tivessem direito e voz para as tomadas de decisões. Ainda que tenhamos um longo caminho pela frente, o alcance do direito ao voto, não apenas no Estado brasileiro, mas como ao redor do globo, traz certo positivismo de que, enquanto houver uma mulher lutando por seu espaço de fala, teremos a possibilidade de influenciar a política que nos afeta direta ou indiretamente.
REFERÊNCIAS
D’ALKMIN, Sônia Maria; AMARAL, Sérgio Tibiriçá. A conquista do voto feminino no Brasil. ETIC – II Encontro de Iniciação Científica e I Encontro de Extensão Universitária. Vol.2, nº 2, 2006. Disponível em <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view/1219/1163>. Acesso em nov. 2023
DOS SANTOS MOTTA, A. D.; TOLOTTI, M.; ANTUNES GOMES, A. A conquista do voto feminino na história das constituições brasileiras. Salão do Conhecimento, [S. l.], v. 1, n. 1, 2015. Disponível em: https://www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/view/5128. Acesso em: 17 nov. 2023.
KARAWEJCZYK, M.. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, p. e49845, 2018.
TENÓRIO, Patrícia Cibele. Nossos passos vêm de longe: Almerinda Farias Gama e o ativismo político de uma mulher negra na construção da luta feminista brasileira. Amérique Latine Histoire et Mémoire. Les Cahiers ALHIM [Online], v. 42, 2021, Publicado em 02 fev. 2022. Acesso em 10 de novembro de 2023. URL: http://journals.openedition.org/alhim/10424; DOI: https://doi.org/10.4000/alhim.10424
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