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Saúde Mental e Festividades

por Juddy Garcez Moron¹


De forma um pouco diferente dos demais textos, nessa breve redação discutirei sobre felicidade e fim de ano. Para aquelas e aqueles que buscam as Relações Internacionais nesse texto, convido-as/os a pensar, ao final, como as sensações e vivências aqui abordadas impactam no mercado mundial e mesmo nas relações sociais de forma mais ampla. Acredito que as discussões aqui feitas poderão servir de base para as mais diferentes análises, mas, antes de tudo, pretendo fomentar a reflexão e oferecer um olhar mais cuidadoso sobre saúde mental como uma tentativa de oferecer caminhos para uma maior atenção com os diferentes “eus” que nos lêem.


Final de ano: solidão e depressão

Se para muitas pessoas o final de ano e suas duas grandes datas comemorativas - o Natal e o Ano Novo - são sinônimo de felicidade e bons momentos com família e amigos, para outras essa época do ano pode ser um grande gatilho emocional capaz de desencadear os mais diversos sintomas e sensações. A ansiedade, a depressão e a síndrome do pânico, doenças cada vez mais percebidas no contexto pandêmico no qual vivemos, podem se intensificar ou mesmo serem desenvolvidas neste final de ano.

Ainda que não existam muitos estudos sobre o tema, há, sim, a vivência de múltiplas pessoas. Um ponto importante a ser debatido é a questão da solidão - ou ao menos a sensação dela. De acordo com o The Lancet Psychiatry (2018) a solidão pode ser entendida como uma resposta situacional a algum problema (ex.: problemas de saúde, separação conjugal ou perda de um ente querido), podendo ser descrita, também, “como uma incompatibilidade entre a quantidade e a qualidade das relações sociais disponíveis, em comparação com aquelas desejadas.” (THE LANCET PSYCHIATRY, 2018, s.p.)². Ainda de acordo com o editorial da revista, sentir-se solitário não implica, necessariamente, em estar sozinho fisicamente. A solidão, nesse cenário, relaciona-se antes com a sensação que se tem de que os relacionamentos são superficiais ou de que não há apoio durante crises.

De acordo com Rafael Moreno de Araújo, membro do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do RS, somado a questão da solidão há o sentimento de culpa pelo não cumprimento de metas. Ainda de acordo com o psiquiatra o risco de suicídio nessa época pode aumentar: “A pessoa se sente um peso, um incapaz quando não alcança as metas. Aí junta com a desesperança, como o pensamento de ‘o ano que vem não vai ser diferente’ e surge a ideia de morte. Se o indivíduo aproveitar o período para beber, isso só piora.” (ARAÚJO, 2018, s.p.).

Como já apontei anteriormente, há poucas pesquisas sobre o tema - e poucos dados também. Ainda que não exista comprovação oficial do “aumento das taxas de suicídio ou de incidência de depressão nesse período do ano (...) costumamos observar um aumento na procura por ajuda psicológica nessa época.” (TAKAKI, 2015, s.p.). É importante ressaltar que

depressão não é sinônimo de tristeza. Segundo a autora,

a depressão é um transtorno mental caracterizado por sintomas específicos e recorrentes, sendo causado por uma série de fatores – biológicos psicológicos e sociais – e devendo ser tratado com a ajuda de profissionais preparados, como psicólogos e psiquiatras. As principais características de uma pessoa com depressão envolvem o humor deprimido e a perda de interesse ou prazer por atividades cotidianas. Além disso, a pessoa também pode apresentar sintomas como perda ou ganho considerável de peso sem estar de dieta; aumento ou diminuição de apetite; alterações no sono (insônia ou sono excessivo); agitação ou lentidão de fala e movimentos; perda de energia; cansaço excessivo; sentimento de inutilidade ou de culpa excessiva; dificuldade de raciocínio, de concentração e de tomar decisões; pensamentos de morte e desejo de morrer, podendo culminar em tentativa de suicídio. Todos estes sintomas causam sofrimento e trazem grande prejuízo à pessoa de modo geral, como nas relações sociais ou no trabalho, por exemplo. O diagnóstico de depressão exige a presença de mais de cinco dos sintomas citados acima ao longo dos dias. (TAKAKI, 2015, s.p.)


Dito isto, é possível observar que a depressão não é o mesmo que tristeza ou aquela sensação de “holiday blues” (que, no português, pode ser entendida como a “tristeza do final de ano” ou “a tristeza dos feriados”). Ainda assim, ambas as questões nos trazem questionamentos: será o Natal é mesmo uma época de felicidade? e o Ano Novo? E como fazer para lidar com essa e outras problemáticas em meio a uma pandemia global? Essas são perguntas de difícil - ou mesmo impossível - resposta. Contudo, todas elas perpassam outro ponto-chave: o da felicidade.


A questão da felicidade


Uma das que talvez seja a mais antiga das problemáticas, o debate acerca da felicidade já foi pesquisado por muitas pessoas. A velha dicotomia entre tristeza e felicidade e a sensação de que a “a grama do vizinho é sempre mais verde” fica ainda mais latente com as festividades do final de ano. Como apontado por Maria Homem (2019) em seu canal no YouTube, quando desejamos um “Feliz Natal” ou “Feliz Ano Novo”, colocamos, junto com os nossos desejos, uma obrigação: o imperativo da felicidade. “A gente vai colocar estrelinhas, luzes, a vida que você deveria ter e que você não está tendo e que no fundo do seu coração você sabe que a sua vida é uma farsa (...).” (HOMEM, 2019)

Os questionamentos feitos por nós nessa época - quem são os meus amigos? estou feliz com o meu emprego? quais são as minhas metas para o ano que vem? - embora rica fonte de reflexão para uns, pode ser causa de tristeza ou mesmo ansiedade e/ou depressão para outros. A tristeza, que é um sentimento como qualquer outro, assim como a raiva, a alegria e as demais emoções, possui um papel em nossas vidas. Frequentemente vista como algo negativo, a tristeza, se compreendida por nós, pode contribuir “para o nosso autoconhecimento, crescimento pessoal e para as relações interpessoais (...)” (TAKAKI, 2015, s.p.). Ela não deve ser vista de maneira romantizada, mas deve, sim, ser analisada a partir das nossas vivências e das nossas limitações.

Pensando na questão da felicidade vs. tristeza, uma noção interessante, já trazida na seção anterior, é a da “tristeza do feriado”. Para a equipe do National Alliance on Mental Illness


A tristeza do feriado pode se originar de uma variedade de fontes, como eventos atuais, luto pessoal, solidão, doenças de todos os tipos, preocupações econômicas, separação de membros da família e problemas de relacionamento como separação ou divórcio. Esses sentimentos podem ser facilmente exacerbados por fatores estressantes, muitos dos quais são vividos apenas nesta estação. Muitos de nós desejamos - ou nos sentimos obrigados a - hospedar festas de fim de ano, ao mesmo tempo que somos persuadidos a comparecer às de familiares, amigos e conhecidos. As decorações são lindas, mas alguém tem que colocá-las. Não se deve esquecer as visitas a familiares que só são vistos uma ou duas vezes por ano e a luta contra as multidões para encontrar aquele presente perfeito. Tudo isso compactado em um bloco de tempo de quatro a seis semanas. (NATIONAL ALLIANCE ON MENTAL ILLNESS, 2013, s.p.)


Portanto, aquelas e aqueles que se sentem um pouco para baixo em dezembro ou mesmo janeiro, para os que não gostam do Natal ou que se sentem “indiferentes” com relação às comemorações, digo com clareza: isso é normal. É normal não querer encher a casa de luzes ou montar uma árvore de natal de dois metros; é normal não querer hospedar parentes em sua casa; é normal se sentir sozinho mesmo que você esteja em família; é normal achar que a troca de presentes é um gasto que por vezes você não pode ou mesmo não quer ter. O que não é normal é a pressão que é jogada sobre nós. Ainda que ela tenha sido normalizada por anos e anos, ela não nos faz bem.


Outros agravantes


Para além de todos os temas já citados há, ainda, muitos outros agravantes:


  • As cobranças familiares: as diferentes pressões para casar, emagrecer ou engordar, alisar o cabelo, arrumar um ou trocar de emprego, ter casa e/ou carro próprio, estar sempre dentro de um padrão corporal e muitas outras questões aparecem em muitos encontros familiares;

  • A pressão social e/ou familiar para perdoar: muito se fala sobre a necessidade de reconciliação e perdão, especialmente em questões que envolvem familiares, parentes e pessoas de nossa convivência;

  • A necessidade de se estabelecer metas e rever o ano que passou: muitas pessoas preferem ignorar ou não pensar em tudo o que aconteceu no ano que está indo embora, ainda assim, há uma certa cobrança para revisarmos tudo o que fizemos (e mais ainda, o que não foi feito) e, vinculado a isso, há uma pressão geral para que façamos metas (quase sempre irreais) quer nos sintamos confortáveis com isso, quer não;

  • A polarização política e as opiniões divergentes: com as eleições municipais brasileiras e presidenciais estadunidenses, bem como as inúmeras polêmicas que envolvem o atual governo, muitas pessoas são agredidas verbal ou mesmo fisicamente por expressarem suas opiniões a favor ou contra determinados candidatos. O mesmo pode valer para o engajamento em ativismos e/ou expressão de opiniões sobre assuntos como religião, feminismo, causas lgbtqia+ e temas considerados “sensíveis” ou “polêmicos”;

  • A pandemia do coronavírus: inúmeras são as problemáticas causadas pela Covid-19. Dentre elas, destaco algumas: a necessidade de distanciamento e isolamento social; a rapidez na morte de pessoas contaminadas e o impedimento da despedida; o alto índice de desemprego e as incertezas econômicas e de saúde; o alto nível de cobrança no home office e o consequente aumento do estresse pelo enclausuramento;

  • A violência doméstica e contra as crianças (agravada pela pandemia): de acordo com dados coletados por Tais Diacov (2020, s.p.) “No Rio de Janeiro, percebe-se um aumento de 50% nos casos de violência já no primeiro final de semana após o início do isolamento social. Na França, tem-se o aumento de 32% nos casos de violência, na China denúncias de agressão a mulheres no ambiente familiar subiram em 3 vezes, e na Tunísia 5 vezes foi o aumento do número de mulheres que sofreram abusos.” A violência doméstica e contra as crianças pode variar também de acordo com a idade, o gênero, a deficiência, a raça, a classe e outros marcadores sociais;

  • A questão de gênero: aumento da sobrecarga de trabalho e do cuidado com as crianças devido a maior permanência delas na casa; o desemprego, que afetou enormemente as mulheres, em especial as mulheres mães; a pressão para equilibrar as duplas ou mesmo triplas jornadas de trabalho.


Como é possível ver, diferentes são as problemáticas que (res)surgem no final de ano. Não é preciso que saibamos todas elas, mas é imprescindível que conheçamos quais são aquelas que nos atingem e como podemos e devemos lidar com elas da melhor forma possível: uma maneira que nos preserve física e mentalmente. Esse foi o primeiro texto do nosso especial de fim de ano e o seu intuito não é o de finalizar a discussão. Antes, sua principal função é a de expor o tema e fomentar o debate sobre a tão cara saúde mental. Na próxima parte do nosso especial falarei um pouco sobre dicas de como lidar com todas essas questões. Acompanhe nossas redes sociais!


Procure ajuda se precisar.


Os principais contatos são:


  • 193: Bombeiros

  • 188: Centro de Valorização da Vida


Notas

¹ O texto foi escrito por Juddy Garcez Moron, voluntária do NEFRI e contou com a consultoria de Ana Clara Rezende Gomes, bacharela em psicologia e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da USP e Nathalia Stuart, psicóloga no Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Cruzeiro-SP, tendo partido de um debate com as membras do projeto Isso não é normal!

² Esta e outras traduções são da autora.


Referências Bibliográficas


_____. The most wonderful time of the year. Editorial. The Lancet Psychiatry. Volume 5, Issue 12, p. 9-45, Dez. 2018. Disponível em <https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(18)30440-1/fulltext#articleInformation> Acesso em 14 dez. 2020


ARAÚJO, Rafael. Psiquiatra alerta para risco de suicídio no período de Natal e Ano Novo. Entrevista concedida a Camila Kosachenco. GZH Saúde. Dez. 2018. Disponível em <https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2018/12/psiquiatra-alerta-para-risco-de-suicidio-no-periodo-de-natal-e-ano-novo-cjps8tu000lrh01pie5s3z15q.html> Acesso em 14 dez. 2020.


DIACOV, Tais. A violência contra a mulher durante a pandemia do COVID-19. Saúde Global PUC SP. 09 dez. 2020. Disponível em <https://www.instagram.com/p/CIjZhPSAQJY/?igshid=1o1rcw9lh5ws6> Acesso em 14 dez. 2020

HOMEM, Maria. Natal e solidão - Por que datas festivas são depressivas? 2019. (8m35s). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=jKfdbkP9mP0&ab_channel=MariaHomem> Acesso em 14 dez. 2020


TAKAKI, Nadine. É normal sentir tristeza ou depressão no fim do ano? Psicologia Explica, dez. 2015. Disponível em <http://www.psicologiaexplica.com.br/tristeza-depressao-fim-ano/> Acesso em 14 dez. 2020


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