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Políticas Internacionais contra a Desertificação no Brasil e na África

Por Beatriz Moreira

Juliana Rodrigues

Mahryan Sampai

A desertificação é o processo de destruição do potencial produtivo da terra por meio de atividades humanas agindo sobre ecossistemas frágeis, com baixa capacidade de regeneração. A degradação dos solos ocorre pela seca excessiva, que por sua vez resulta na formação de uma paisagem correspondente à dos desertos.

A Organização das Nações Unidas afirma que dois bilhões de hectares de terras estão desgastados no planeta e que duas em cada cinco pessoas sofrem hoje os seus impactos. Neste sentido, a organização conduz suas ações de governança global para proteger o território e reafirmar o imenso valor de terras saudáveis e produtivas.

Atuando como defensora da preservação ambiental no mundo, a missão da ONU é prover liderança e encorajar parcerias na proteção do meio ambiente, inspirando, informando e permitindo que países e pessoas melhorem sua qualidade de vida sem comprometer as gerações futuras. Dessa forma, incentiva chefes de Estados e organizações da sociedade civil no desenvolvimento de políticas que contribuam com este fim. Em conformidade com os princípios basilares da organização, em 1992 ocorreu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro. A Cúpula é considerada um marco de desconstrução da premissa de que o meio ambiente seria uma fonte inesgotável de recursos, com a infinitude das ações de aproveitamento da natureza. Ademais, origina um tratado internacional multilateral para discutir sobre as secas e desertificação, tidas como um dos mais graves problemas em escala mundial. A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, UNCCD em inglês, entrou em vigor em 26 de dezembro de 1996, tendo a Conferência das Partes (COP) como seu órgão supremo.

A ONU tem como objetivo diminuir e possivelmente reverter a desertificação. Tal premissa abrange mais do que as questões relativas à recuperação do solo, modificando a sociedade inserida no cenário de forma geral ao considerar as implicações econômicas, sociais e ambientais.

Tanto na África quanto no Brasil existem áreas que são mais afetadas pela desertificação. No Continente Africano, a região do Sahel ao sul do Saara é a mais afetada. Em território brasileiro, a Paraíba é o maior estado afetado por esse processo. O presente texto explora políticas públicas, em âmbito nacional e internacional, para conter os avanços da desertificação no Brasil e na África, correlacionadas aos esforços que trazem de volta a biodiversidade, reduzem os efeitos da mudança climática e tornam as comunidades mais resilientes.

Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação


Estabelecida em 1994, a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação nos Países com Secas Graves e/ou Desertificação Particularmente na África (UNCCD) é uma Convenção que visa combater a desertificação e mitigar os efeitos da seca, a partir de programas de ação nacionais que incorporem estratégias de longo prazo apoiadas pela cooperação internacional e acordos de parceria. É o único acordo internacional juridicamente vinculativo que liga o meio ambiente e o desenvolvimento à gestão sustentável da terra, em locais onde alguns dos ecossistemas e povos mais vulneráveis podem ser encontrados.

Ao final da COP 13 – 13ª Reunião das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação de 2017 – em Ordos, China, 113 países haviam concordado em especificar metas concretas com indicadores claros, para reabilitar mais terras e reverter a degradação. A Conferência também testemunhou a criação do primeiro fundo global do setor privado dedicado à implementação dos ODS. O Fundo de Neutralidade da Degradação de Terras surge como uma fonte de capital que reúne investidores públicos e privados para financiar projetos de recuperação de terras degradadas, trazendo benefícios ambientais, econômicos e sociais. Para reafirmar o progresso alcançado na Cúpula, mais de 80 ministros de todo o mundo instituíram um novo compromisso mundial: a Declaração de Ordos. A normativa estimula os países a intensificarem os esforços em múltiplas frentes para combater a desertificação, reconhecendo-a como um dos desafios globais mais urgentes do planeta. A Declaração também reconheceu os esforços de mitigação realizados pela China, a partir do investimento bilionário na restauração ecológica do Deserto Kubuqi, bem como do estabelecimento de um modelo bem-sucedido de “economia do deserto verde”.

A COP 13 também foi responsável por inaugurar o novo Quadro Estratégico da UNCCD 2018-2030, o compromisso global mais abrangente para alcançar a Neutralidade da Degradação de Terras (LDN). Partiendo de uma abordagem integrada, busca restaurar a produtividade de vastas áreas de terras degradadas, melhorar a subsistência de mais de 1,3 bilhão de pessoas e reduzir os impactos da seca para populações vulneráveis. Por fim, estabelece como objetivo estratégico a mobilização de recursos substanciais para apoiar a implementação construindo parcerias efetivas a nível global e nacional.


Desertificação no Brasil


O Brasil é sinônimo de Amazônia para a comunidade internacional. A vasta floresta tropical e rios largos atraem inestimáveis serviços ecossistêmicos para a estabilização do sistema climático global. Todavia, o direcionamento em prol da preservação da floresta amazônica resultou, por muitos anos, em negligenciamento de outros biomas do país, especialmente da Caatinga no Nordeste. Como acontece na maioria das regiões áridas e semi-áridas do mundo, a área enfrenta os desafios da pobreza e é tipicamente apresentada ao mundo como uma área atingida pela seca. Entretanto, o bioma Caatinga é vital para a adaptação do Brasil às mudanças climáticas, sendo o processo de degradação das terras da região, bem como a seca, um dos principais entraves para que o país seja incluído no rol dos desenvolvidos.

Nacionalmente, as preocupações relativas ao processo de desertificação no país, geograficamente circunscrito no semiárido nordestino, não são recentes. As primeiras contribuições dadas sobre o tema foram traçadas por José Guimarães Duque, em “Solo e água no Polígono das Secas” (1949), mas a questão somente conquistou ampla relevância a partir da I Conferência Global sobre Desertificação, promovida pelas Nações Unidas no ano de 1977, em Nairóbi. Com vistas a fornecer embasamento à delegação brasileira na Conferência, João de Vasconcelos Sobrinho liderou novas investigações, as quais resultaram na identificação dos chamados núcleos de desertificação (LIMA, MAGALHÃES, 2016, p.232-233).

De acordo com Vasconcelos Sobrinho, as regiões de Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Seridó (RN) e Cabrobó (PE) correspondem a tais núcleos, posto que são as mais afetadas pelo processo de degradação do solo. Como principais causas para a exaustão das terras, tem-se o sobrepastoreio, as práticas inadequadas de agricultura, a mineração, a remoção da cobertura vegetal por queimadas ou desmatamento, a ocupação humana desordenada, dentre outros. Por consequência, o efeito principal de tais ações antrópicas, potencializado pelas próprias condições naturais da caatinga, é a inutilização do solo por salinização ou erosão. (SOARES, NÓBREGA, MOTA FILHO, 2011)

Ainda que a Conferência de Nairóbi tenha apresentado importantes avanços no debate internacional sobre a desertificação, bem como incentivado poucas ações voltadas à resolução dessa problemática no contexto brasileiro, as maiores contribuições foram construídas a partir da UNCCD. Quer seja no período anterior à implementação da UNCCD, como durante as articulações juntamente a países da América Latina, Caribe e África, o Brasil demonstrou importante iniciativa e liderança. Nesse sentido, já nos anos de 2003 a 2006, esforços nacionais foram empreendidos para a elaboração e implementação do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Seca (PAN Brasil). (LIMA, MAGALHÃES, 2016, p.239-243)

Entretanto, devido ao PAN Brasil não ter apresentado sustentabilidade institucional suficiente, a posição referencial do país no combate à desertificação foi prejudicada em diversas ocasiões (BARROS, BARBOSA, 2015). Isso porque a Coordenação Técnica de Combate à Desertificação (CTC, antiga CCD), principal responsável pela orientação das atividades referentes ao Programa, não possuía um arranjo institucional fixo, sendo realocada múltiplas vezes dentro do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Um exemplo dessa descontinuidade foi observado em 2007, quando a CTC, até então vinculada à Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU), passou ao status de assessoria na Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR). Na prática, a CTC tornou-se mera entidade de consulta agregada à SEDR. (LIMA, MAGALHÃES, 2016, p.243-244)

Situações como essa dificultam de sobremaneira a continuidade de uma política pública eficiente no combate à desertificação, prejudicando não somente o desenvolvimento sustentável do semiárido brasileiro, mas também a inserção internacional do país. Ao atuar como referência na aplicação do PAN Brasil, é possível estabelecer vias de cooperação técnica com países latinoamericanos, africanos e asiáticos para benefício mútuo entre as partes envolvidas (IDEM, 2016, p.247-251).

Atualmente, a reestruturação do MMA promovida pelo Decreto nº 10.455, de 11 de agosto de 2020, determina como ponto focal técnico do Brasil o Departamento de Clima, o qual é ligado à Secretaria de Clima e Relações Internacionais do MMA. Esses dois órgãos, além de estarem incumbidos de lidar com os assuntos referentes à UNCCD e ao PAN Brasil - acções de coordenação, planejamento, orientação, supervisão e afins -, administram também as questões sobre a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio e Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. (BRASIL, 2020)

É interessante ressaltar como ocorre tal reorganização ministerial, na qual é fundada uma secretaria não só relacionada ao clima mas também às relações internacionais. Para especialistas, essa surge como uma resposta às pressões exercidas tanto sobre o MMA - devido à postura hostil ao ambientalismo apresentada pelo ministro Ricardo Salles - quanto sobre o Ministério das Relações Exteriores (MRE). Acerca deste último, a insatisfação se refere à extinção no âmbito do MRE da Divisão de Mudança do Clima e da Subsecretaria Geral de Meio Ambiente Energia e Ciência e Tecnologia, ocorrida em janeiro de 2019. Acredita-se que essa mudança tenha caráter “estético”, já que não necessariamente implica o comprometimento internacional do MMA com a pauta ambiental (PRIZIBISCZKI, 2021).


Desertificação na África


Os efeitos da desertificação são vistos em muitas partes do mundo, mas é predominante na Índia, Austrália, Ásia e África. A ONU estima que cerca de 30 milhões de acres de terra em todo o mundo sofrem o impacto da desertificação todos os anos, que afeta 46% da África.

O significado dos dados relativos à ocorrência no continente tornam-se evidentes quando se considera que cerca de 43% do território é caracterizado como deserto extremo, no qual suas margens representam áreas de grande vulnerabilidade. Todavia, a condição africana não constitui um caso isolado, visto que as discussões a respeito da desertificação devem ser consideradas um risco para quase todo o planeta. Apenas cerca de 11% da massa terrestre é úmida e, por definição, excluída dos processos de desertificação. A região com maior propensão está localizada ao longo das margens do deserto ocupando 5% da massa de terra. Estima-se que cerca de 22 milhões de pessoas vivam nesta área.

A região mais vulnerável é um trecho de terra de 3.000 milhas que inclui dez países da região do Sahel, área entre o deserto do Saara e a savana sudanesa, que permanece sob constante estresse devido a secas frequentes e erosão do solo. Uma floresta densa pode se tornar um campo de poeira em questão de anos, tornando as migrações em massa inevitáveis e ocasionando, assim, uma crise migratória de refugiados climáticos. Os africanos frequentemente migram para o sul em busca de terras férteis, em razão de grande parte da agricultura na África resultar em baixa produtividade, já que a maior parte das terras é caracterizada como semi desértica.

O país tido como mais afetado pela questão é o Senegal. Suas migrações são comuns, em consequência da erosão eólica, desmatamento e mudanças climáticas causarem estragos nas fazendas e na pecuária. Logo, mudam-se para países vizinhos como o Gabão, ou até mesmo para a Europa ou América do Sul. Tendo em vista este cenário, surgem iniciativas ambiciosas direcionadas para reduzir a desertificação na África, como a Grande Muralha Verde. Estabelecida pela União Africana em 2007, o projeto ambiental busca restaurar terras degradadas a partir do plantio de árvores, pastagens, vegetação e plantas. A área compreende 8.000 km de comprimento e 15 km de largura, com meta de estender-se da costa do Senegal, no oceano Atlântico, até ao leste da Etiópia. Sua faixa verde possui um objetivo claro: conter a expansão do Deserto do Saara, ao mesmo tempo em que reduz a erosão do solo.

Mais de 37 milhões de acres de terra degradada na Etiópia foram restaurados, com resultados semelhantes em Burkina Faso, Nigéria e Níger. No Senegal, mais de 11 milhões de árvores foram plantadas, tornando 25.000 hectares de terra novamente férteis.

Apenas 15% do projeto está concluído, mas sua repercussão no continente é notável. Após décadas de colaboração política, mais de 20 países africanos se uniram para a plantação de árvores, na área em que nos anos 1970 era um grande oásis de vegetação e folhagem. Os subprodutos da Grande Muralha Verde da África incluem poços subterrâneos de água potável, direcionamento de mais suprimentos básicos para as cidades e desenvolvimento econômico local, a partir do surgimento de novas fontes de trabalho mais verdes. As metas para 2030 incluem restaurar 247 milhões de acres de terras destruídas e criar mais 10 milhões de empregos em áreas rurais.

Entretanto, para impactar toda a África, o projeto deve enfrentar as ameaças de corrupção, terrorismo e falta de financiamento, que por vezes acometem a região. Na África Central, os esforços de ajuda internacional e o trabalho de organizações humanitárias encontram-se paralisados, enquanto países em zonas de conflito, como Burquina Faso, não investem devido à situação de insegurança no país.

Segundo as Nações Unidas, à medida que a população humana aumenta, cresce proporcionalmente a demanda por terras para fornecer alimentos, ração animal e fibras para produzir roupas. Ao mesmo tempo, a saúde e a produtividade das terras encontram-se em declínio, agravadas pelas mudanças climáticas.

A ONU estima que o planeta terá 10 bilhões de habitantes até 2050. Para atender as demandas de todas estas pessoas, a organização apela para mudanças de hábitos de governos, empresas e sociedade civil, em nome de um novo contrato com a natureza. Através da ação e da solidariedade internacionais, é possível “aumentar a recuperação dos solos e as soluções baseadas na natureza para a ação climática e o benefício das gerações futuras”. Dessa forma, com o compromisso da comunidade internacional será possível atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e cumprir a meta de não deixar ninguém para trás.




REFERÊNCIAS:


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