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Padronização de corpos e ditadura da beleza

Atualizado: 18 de mar. de 2021

por Pamela Moreschi e Bárbara Gelmini

É diante da fala importuna do vereador Wellington de Oliveira, realizada no dia 08 de abril na Câmara Municipal de Campo Grande (MS), que o NEFRI abre nesta semana o debate sobre padronização dos corpos femininos. Pronunciamentos como o do vereador da capital do Mato Grosso do Sul reproduz os estigmas sobre a beleza feminina e as pressões da estética. A fim de justificar a reabertura do comércio na cidade no contexto de isolamento social, em virtude do novo Coronavírus, ele afirmou que “Salão é importante. Imagina a mulher sem fazer sobrancelha, cabelo, unha, não tem marido nesse mundo que vai aguentar, tem que tratar da autoestima” (UOL, 2020).

Sim, vereador. Todx nós devemos preservar nossa autoestima e, é inegável que inúmeras mulheres autônomas que oferecem serviços relacionados à estética estão passando por dificuldades financeiras em momentos como este. Mas será que isto deveria ser um ditame? Uma mulher deveria ser atraente em função dos padrões de beleza pregados pelos homens? O corpo da mulher é um corpo-para-o-outro?

Discursos como este revelam a existência de um padrão estético hegemônico ligado ao corpo feminino. Reverberam a constituição do mesmo para o prazer e para a atratividade em condições veementemente patriarcais. Com isso, nosso objetivo não é negar que, de fato, a temática sobre padronização dos corpos femininos incorre em percepções sobre diferentes prismas, haja vista as diferentes tratativas para além do gênero, como: corpo e raça, corpo e sexualidade. No entanto, hoje abordaremos uma perspectiva que repousa sobre todas as demais: a dominação do corpo feminino pelo patriarcado. A discriminação e a imposição de condutas comportamentais e estéticas aos corpos das mulheres faz parte de um amplo debate no campo teórico feminista. Autoras como Simone de Beauvoir, Naomi Wolf, Angela Davis e Germaine Greer discorreram, entre outros aspectos, sobre a subjugação das mulheres aos padrões corporais impostos pela sociedade machista. Parte desta análise identifica a inviabilização de uma expressão livre dos corpos femininos em função do conceito de feminilidade. Isto é, uma série de comportamentos e atributos, socialmente e biologicamente fundamentados em perspectiva histórica que determinam referências visuais e comportamentais (CAMPOS, 2010).

Portanto, fortes julgamentos externos estão presentes na sociedade quanto à estética e o controle dos corpos femininos. Essa estrutura limita o poder de agência das mulheres sobre o seu livre-arbítrio e sua construção identitária, já que para estimarem-se e aceitarem-se elas sofrem pressões do padrão estético contemporâneo. Este padrão é determinado por características tais quais: magreza, traços finos, rostos alongados, jovialidade, cabelos lisos, pele branca, maquiagem, depilação. Fatores estes que acabam conjugando uma ditadura da beleza, cujas consequências se mostram severas: hipersexualização, distúrbios alimentares, gordofobia, transtornos psicológicos, realização de procedimentos estéticos de alto risco, entre outros problemas.

Logo, é perceptível que neste contexto uma pluralidade de mulheres ficam à margem deste estigma incoerentemente imposto, já que a maioria das mulheres não fazem parte deste padrão. E é o que muitos movimentos têm feito, ou seja, têm demonstrado que as mulheres, e sua relação com a beleza e com seu corpo, devem ser libertada das amarras da beleza padronizada e excludente, e alcançar os espaços, corpos e vozes plurais da nossa sociedade. Pessoas reais, com vários tipos de formas, alturas, pesos, curvas, marcas, cor, cabelos e pêlos, essas somos nós mulheres. Retomando nosso exemplo, vale dizer ainda que existem aqueles que possam defender a colocação do Vereador Wellington de Oliveira atenuando sua fala ao indicar que ele possa ter objetivado dizer que esta, na verdade, tem sido a preocupação das mulheres, e elas estão “desesperadas” para que possam enfim ir aos salões de beleza. Em todas as interpretações é nosso dever estressar a concepção patriarcal destas falas. Pois ao apropriar-se do local de fala feminino a respeito das vontades das mulheres que estão em casa, o vereador indica que a beleza trata-se da exclusiva preocupação feminina. Ao fazer isso chegamos no grande ponto que é a rotulação dos interesses femininos, que neste cenário se atrelam à aparência e atribui a mulher a carga de interessar-se por algo como meio de prazer que na verdade nada mais é, segundo a concepção machista da sociedade, uma obrigação feminina.

Conclui-se que é importante que nós possamos agir a cada dia mais em diversas pontas deste cenário, sendo as mulheres que divulgam informações e conteúdo que façam outras mulheres sentirem-se acolhidas como são, independente do padrão de estética imposto, mas também como agentes ativas na propagação da mensagem de que a mulher é, e pode ser, o que e como ela quiser através da prática deste empoderamento. Ocupando um espaço que é nosso.

Referências

CAMPOS, Veridiana Parahyba, 2010. O corpo como assunto das Ciências Sociais. Em: Beleza, Feminilidade e Reflexividade: Um estudo sobre a mediação agência-estrutura por mulheres intelectuais. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

UOL, 2020. Vereador defende salões de beleza abertos: “não tem marido que aguente”. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/04/08/vereador-defende-saloes-de-beleza-abertos-nao-tem-marido-que-va-aguentar.htm?>. Acesso: 13 abril 2010.

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