Limitantes da participação das mulheres na política: o que estamos falando quando falamos sobre representação e representatividade
por Por Bárbara Gelmini e Isabella Fontaniello
O debate sobre a participação das mulheres na política é amplo. Não fica restrito ao direito ao voto e a conquista do sufrágio feminino como ocorreu, em geral, ao longo do século XX. Nem mesmo se limita à presença de figuras femininas nas esferas de poder da sociedade. Mais do que isto, a questão da representação e representatividade das mulheres na política contemporânea dialoga diretamente com severas críticas da teoria política feminista, segundo as quais ainda reprimem o exercício político plural das mulheres. Neste texto, listamos algumas dessas razões limitadoras, entre elas: a dominação masculina e a consequente submissão da mulher ao âmbito privado, em detrimento da atuação na esfera pública; a estigmatização da mulher na política e; a representatividade ainda pouco plural das identidades femininas nas posições de poder. Isso posto, o que pretendemos é jogar luz sobre um debate tão trivial ao mesmo tempo em que convidamos a refletir sobre esses aspectos em um ano de eleições municipais no Brasil.
Dominação masculina nos espaços políticos e debate público vs. privado
Por séculos, a dominação masculina na sociedade foi instaurada e a esfera política foi ocupada unicamente por homens. Cargos de poder e ocupações políticas estiveram circunscritas aos homens de classes altas da sociedade e de maioria branca. Contudo, ainda que o movimento feminista no século XX tenha garantido o direito ao voto e a paulatina presença feminina nas discussões de movimentos e ativismo político foi sendo construída, isso não refletiu diretamente na representação significativa das mulheres na política.
Como grande fator inibidor desta participação é destacada, ainda nos dias de hoje, a dupla jornada feminina. No Brasil, de acordo com os dados coletados na Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2019, as mulheres trabalham em média 3,1 horas a mais do que os homens por semana. Isso significa dizer que, além da ocupação desempenhada no mercado de trabalho, as mulheres dedicam mais tempo no cuidado de casa, no cuidado com as crianças e idosos da família, com os animais de estimação, limpeza, preparar e servir refeições, etc. (VALOR ECONÔMICO, 2019)
Este aspecto dificulta a participação política da mulher na medida em que as tarefas domésticas não são divididas. Por conseguinte, a mulher - enquanto gênero historicamente submetido ao cuidado familiar e domiciliar - é exposta a uma condição de trabalho não remunerado, pelas atividades que desempenha dentro do lar. A resultante é a obstrução da possibilidade de mulheres desempenharem um papel ativo na esfera social e pública. Isto é, de se engajarem e exercerem a cidadania plena em suas comunidades (BIROLI; MIGUEL, 2014).
Estigmatização da mulher na política e implementação de agendas
Historicamente, a política tem sido a arena da racionalidade, da objetividade, valores constantemente associados às identidades masculinas. A “Realpolitik”, tal seja a razão do Estado ancorada em percepções práticas, definiu o funcionamento da economia, da diplomacia, da justiça e da segurança, por exemplo, como espaços de poder exclusivos aos homens já que, dentro desta perspectiva, as mulheres se situavam em um espectro oposto: o da afeto, o da sensibilidade. Tais características são constantemente depreciadas socialmente. Nesse sentido, repercutiu-se a marginalização feminina na política.
Tempos depois, já nos anos 1980, teorias que versam sobre os benefícios de se ter maior presença feminina na política ganham terreno, mas também ambiguidades. São elas as teorias do “pensamento maternal”, que valorizam a mulher como agente política segundo o mesmo apelo moral. Isto é, reiterando que se as mulheres ocupam mais cargos públicos, elas são capazes de propulsionar a política com ações em prol do cuidado aos outros, e poderiam até ser capazes de fazer frente aos interesses corruptos, violentos e egoístas dos homens. No entanto, o perigo desta vertente de argumentação é continuar caindo na armadilha da diferenciação dos papéis de gênero com estereótipos e na reprodução das hierarquias vigentes (BIROLI; MIGUEL, 2014). Com isso, o que se quer dizer é que mesmo quando as mulheres conseguem adentrar o seio político, suas agendas são estigmatizadas e restritas a certas categorias que formam pares opostos às dos homens como maternidade, amparo social, saúde, educação. Ao mesmo tempo excluindo-as das pautas da economia, defesa, ciência e tecnologia, por exemplo. Contudo, esse comportamento - ou seja, de designar áreas em que a participação feminina estaria pré determinada e sua “feminilidade” seria tida como positiva para a resolução de problemas nos quais a “masculinidade” agressiva e egoísta dos homens não é satisfatória - impõe estigmas taxativos às mulheres na política, impedindo sua livre atuação (BIROLI; MIGUEL, 2014). Baixa Representatividade
O que movimento feminista pretende assumir por “baixa representatividade” é que não basta a representação feminina na política, mas, junto à ela, a construção de mandatos e políticas públicas para mulheres de todas as raças, classes, etnias e orientações sexuais. Ou seja, não basta que uma mulher vença uma eleição ou seja nomeada a um cargo político. É necessário, para a garantia dos direitos estabelecidos e um avanço na agenda feminista que estas mulheres eleitas exerçam representatividade, que elas ecoem as vozes das mulheres subalternizadas e direcione suas ações para a pluralidade de identidades femininas existentes (POLITIZE!, 2018).
O ponto central deste argumento tem a ver com a percepção genérica de mulher, obscurecendo as clivagens existentes na identidade feminina. Em outros termos, os interesses veementemente diferentes entre as mulheres brancas e negras, heterossessuais e LGBTQI+, de classe alta e classe baixa, de minorias étnicas. Por isso, os problemas advindos destes grupos de mulheres podem não ser diretamente solucionados simplesmente com a ascensão de uma mulher ao poder (BIROLI; MIGUEL, 2014). É imprescindível que esta mulher seja capaz de governar não para um conceito de mulher unívoco, mas sim que ela estabeleça diálogos e planeje políticas públicas para todas essas perspectivas sociais acima mencionadas.
Entretanto, exemplos factíveis da atual política brasileira demonstram o que a teoria política feminista busca combater e dão clareza ao argumento de que representação não significa representatividade. O primeiro deles éDamares Alves, atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a qual têm demonstrado que seu compromisso não é com a multiplicidade de mulheres brasileiras que existem. Mas especificamente, com as brancas, heterossexuais, burguesas de classe média-alta e conservadoras.
Um segundo exemplo é o de Sara Geromini, atualmente líder de um movimento antidemocrático denominado os “300 do Brasil” - um grupo de extrema direita que apoia o governo de Jair Bolsonaro. Ela possui um passado no ativismo político que é paradigmático. Se auto-intitula como ex-feminista e flerta com ideais autoritários e inconstitucionais, financiando atos como o recente lançamento de fogos ao prédio do STF em Brasília. Sua radicalização aconteceu entre os anos de 2013 e 2014. Em 2019 Sara, também conhecida como Sara Winter em referência a uma militante britânica nazifascista, foi convidada pela Ministra Damares Alves para ocupar o cargo de secretária. As duas compartilham bandeiras contra o aborto e contra o feminismo (BBC BRASIL, 2020).
Por fim, o que se torna perceptível é que ao se deixar de lado as vivências das mulheres negras, indígenas, de classe baixa, a luta das mulheres é extremamente prejudicada. Muitos dos direitos que já foram conquistados podem estar em risco com a falsa ideia de que estamos sendo representadas por mulheres ultra conservadoras na política. Na realidade, se quisermos sentir avanços nas legislações e políticas públicas para as mulheres, é necessário eleger candidatas com voz ativa, as quais façam reverberar transformações políticas, visibilidade, oportunidades, espaço para percepções sociais distintas e incorporar pontos de vistas múltiplos para as mulheres.
Conclusão
Em suma, os afazeres domésticos engessam a dominação política dos homens nas arenas de poder pois funcionam como barreira não só à participação feminina na política mas impactam negativamente no acesso à qualificação profissional, ao mercado de trabalho, lazer e desenvolvimento de carreira das mulheres. Assim, o tempo das mulheres fica reduzido. Além disso, outro fator que afasta as mulheres de cargos políticos é como a sociedade foi moldada para que os homens fossem vistos como as pessoas ideias para ocupar esses espaços, pois são mais destemidos e fortes, enquanto as mulheres são vistas como frágeis e responsáveis pelo cuidado. Quando as mulheres conseguem adentrar os espaços de tomadas de decisão são designadas para áreas que segundo o sistema patriarcal remete a esse cuidado.
No ranking sobre a participação de mulheres na política, o Brasil ocupa a 152° posição. No entanto, é possível dizer que apenas a participação numérica de mulheres pode trazer avanços para uma agenda feminista? Como debatido a representação feminina não é sinônimo de representatividade. Pois, muitas mulheres que estão na política hoje seguem uma agenda conservadora, como os exemplos citados de Sara Winter e Damares Alves. Dessa forma, é importante reforçar que há a necessidade de se escolher mulheres que atuem em agendas feministas. Muitas mulheres estão comprometidas em levar essas pautas adiante para uma verdadeira emancipação feminina.
REFERÊNCIAS
BBC BRASIL. Quem é Sara Winter, a ex-feminista e atual militante radical bolsonarista presa pela PF a mando do STF. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53053329>. Acesso: 19 jun. 2020.
BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e política: uma introdução. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2014.
POLITIZE! Mulheres na Política. Disponível em: <https://www.politize.com.br/mulheres-na-politica/>. Acesso: 19 jun. 2020.
VALOR ECONÔMICO. Dupla jornada faz mulheres trabalharem 3,1 horas a mais que os homens. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/04/26/dupla-jornada-faz-mulheres-trabalharem-31-horas-a-mais-que-homens.ghtml>. Acesso: 19 jun. 2020.
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