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Metodologia Feminista em Relações Internacionais

por Juddy Garcez Moron


Metodologia. Uma palavra que, para muitos que estão inseridos tanto dentro como fora do contexto acadêmico, é aterrorizante. Números, tabelas, dados e questionários pipocam em nossa mente ao lermos essa palavra. Mas, será que metodologia é isso mesmo? Antes de respondermos a essa pergunta, é preciso fazer uma pequena, mas importante, diferenciação entre metodologia e método. De maneira bem simples, a metodologia é a forma como o desenho de pesquisa será estruturado para que haja uma resposta à pergunta inicial, enquanto o método, que pode ser mais de uma, é a ferramenta ou técnica de pesquisa utilizada na produção daquele conhecimento.

Ainda no âmbito das conceituações básicas, a metodologia configura-se de três maneiras: quantitativa, qualitativa e mista (uma amálgama das duas primeiras formas). Já os métodos são inúmeros e variam, principalmente, de acordo com a área e o objeto da pesquisa e os objetivos de quem está pesquisando. Alguns exemplos de método são: entrevista, análise estatística, análise de discurso, estudo de caso e etnografia.

Isto posto, é preciso observar a temática no âmbito internacional. Embora filha da Ciência Política em companhia de áreas como História, Filosofia, Geografia, Sociologia e Antropologia, as Relações Internacionais enquanto disciplina sempre tiveram um sério problema com a definição do que é ciência e o que pode ser considerada como uma produção científica válida. Como praxe e durante muitas décadas adotou-se, por convenção tácita, a utilização de um modelo positivista nos inquéritos da área: era necessária a busca por asserções gerais ou a criação de uma correlação causal à partir dos casos e dados analisados.

No entanto, com a expansão dos debates da área e o desafio que as perspectivas pós-positivistas impuseram a área, diferentes abordagens passaram a figurar tanto no campo da ontologia, quanto nos aspectos epistemológico e metodológico. É nesse cenário de ampliação plural e de multidisciplinaridade que surgem as metodologias feministas nas Relações Internacionais.


Muitas das primeiras críticas feministas às metodologias da ciência política foram desafios ao positivismo - uma forma de conhecimento frequentemente vista como preocupada com objetividade, replicabilidade e causalidade (apud Bryman, 1984). O positivismo está alicerçado no método científico e na crença de que existe uma única realidade verdadeira que pode ser descoberta elaborando hipóteses, operacionalizando essas hipóteses e testando-as com evidências que foram coletadas e manipuladas (apud Hesse-Biber, 2012) (TRIPP; HUGHES, 2018, p. 243, tradução minha)


Fruto principalmente do Terceiro Grande Debate da área, as vertentes feministas fizeram e ainda fazem parte de uma grande disrupção nos estudos internacionais. No que tange especificamente a metodologia, as pesquisadoras feministas colocaram em xeque a noção de distanciamento do objeto e inseriram o comprometimento com a emancipação de todas as mulheres. Embora esses projetos não sejam exclusivos das correntes feministas pós-positivistas, eles são os únicos que focam essencialmente nas questões de gênero.


Quatro diretrizes metodológicas informam as perspectivas de pesquisa feministas: uma profunda preocupação com quais perguntas de pesquisa são feitas e por quê; o objetivo de projetar uma pesquisa que seja útil para mulheres (e também para homens) e que seja menos tendenciosa e mais universal do que a pesquisa convencional; a centralidade das questões de reflexividade e a subjetividade do pesquisador; e um compromisso com o conhecimento como emancipação. (TICKNER, 2005, p.4, tradução minha)


Para pensarmos sobre uma ‘metodologia feminista’ é preciso entendermos, antes de tudo, que o ponto mais crucial nesse aspecto não é a metodologia em si, mas sim a ligação que ela possui com a ontologia e a epistemologia. Pois é exatamente nessa intersecção entre essas três noções que nasce o feminismo nas Relações Internacionais, uma vez que elas são indissociáveis e complementares.

Como apontado por J. Ann Ticker (2005, p. 4, tradução minha) “Muitas estudiosas feministas preferem usar o termo "perspectiva epistemológica" em vez de metodologia para indicar os objetivos de pesquisa e a orientação de um projeto em andamento, cujo objetivo é desafiar e repensar o que queremos dizer com ‘conhecimento’.” Ou seja, a abordagem metodológica feminista vai muito além de um simples desenho de pesquisa: ela tem que estar comprometida com a maneira como a pessoa que pesquisa enxerga o mundo e como, através do seu estudo, pretendo mudá-lo.

Ainda com relação ao compromisso feminista de tratar de problemáticas do mundo real, Nielson (1990, p.26, tradução minha) nos traz uma importante colocação: “A investigação feminista é um processo dialético de ouvir as mulheres e entender como o significado subjetivo que elas apegar às suas experiências vividas estão tão frequentemente em desacordo com os significados internalizados da sociedade em geral.”

Outra figura proeminente nas pesquisas feministas e que é adepta de uma abordagem metodológica muito singular é Cynthia Enloe. Autora de diversos livros, todos eles tratando de temáticas muito cotidianas e usualmente ignoradas nos estudos de Relações Internacionais, Enloe nos abençoa com um livro ímpar, “The Curious Feminist: searching for women in a new age of empire”. Neste exemplar, publicado em 2004, Cynthia questiona sobre a (falta da) curiosidade. Em suas palavras, “Eu comecei a pensar que fazer e nos manter sem curiosidade deve servir ao propósito político de alguém.” (ENLOE, 2004, p.3, tradução minha)

Para ela, é importante que desenvolvamos uma curiosidade feminista, e que sejamos capazes de fazer perguntas que sirvam a um propósito real, factível. “Ainda uma curiosidade feminista admire que vale a pena pensarmos sobre e prestarmos atenção em todas as mulheres, porque desta forma seremos capazes de definirmos nitidamente o ruidoso e sutil funcionamento político de ambos feminilidade e masculinidade” (ENLOE, 2004, p.4, tradução minha)

A curiosidade feminista, portanto, pode ser compreendida como um pano de fundo vital no desenvolvimento de uma conduta acadêmica feminista, que vai muito além de um problema de pesquisa. Ela demanda que nós, para além do nosso caráter de internacionalistas, estejamos envolvidas e envolvidos com um pensamento crítico, emancipacionista e em prol de um mundo mais equânime.


Nota


1- A ontologia relaciona-se a percepção do mundo e varia de acordo com a teoria adotada. Já a epistemologia pode ser entendida como sendo a compreensão do conhecimento e de como alcançar o saber. Por fim, como já colocado anteriormente, a metodologia conecta-se ao processo de busca científica e tanto reflete quanto é refletida a partir dos dois conceitos supramencionadas.(ACKERLY; STERN & TRUE, 2006)


Referências Bibliográficas


ACKERLY, B. A.; STERN, M.; TRUE, J. (2006) Feminist methodologies for International Relations. In: ACKERLY, B. A.; STERN, M.; TRUE, J. Feminist methodologies for International Relations. Cambridge University Press.

ENLOE, C. (2004) The curious feminist: searching for women in a new age of empire. University of California Press.

NIELSEN, J. M., ed. (1990) Feminist Research Methods: Exemplary Readings in the Social Sciences. Boulder, CO: Westview Press.

TICKNER, J. A. (2005) What Is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly, 49, 1–21.

TRIPP, A. M.; HUGHES, M. M. Methods, methodologies and epistemologies in the study of gender and politics. European Journal of Politics and Gender, vol 1, n. 1–2, 241–57.





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