por Mahryan Sampaio Rodrigues
Os quilombos são agrupamentos de resistência histórica, resultantes da necessidade de refúgio para os povos negros no período de escravização, tendo este durado mais de 300 anos. Nos dias atuais, permanecem como espaço de manutenção da ancestralidade africana, com sobrevivência condicionada à liderança de mulheres negras. Ainda hoje, a maior parte da população vive em locais distantes dos centros urbanos, concentrando-se em áreas rurais. Enfrentando a invisibilidade estatística, as mulheres quilombolas brasileiras seguem em busca de políticas públicas e garantia dos territórios. Segundo a Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (CONAQ), o Brasil possui aproximadamente 2 milhões de pessoas ou 130 mil famílias quilombolas, entre homens e mulheres. Todavia, conforme a Fundação Palmares, apenas 2.500 destas comunidades são certificadas, tornando o excedente invisível às políticas públicas para o direito à saúde, educação, saneamento básico, mobilidade, entre outras. Adicionando “lentes de gênero” para a vida das comunidades, têm-se que enquanto os homens migram para as cidades mais próximas para buscar trabalho, as mulheres permanecem em busca de proteger e reafirmar seus saberes ancestrais. Elas obtêm a maior parte de seu sustento através do manejo de recursos naturais. De acordo com a coordenadora estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e também integrante da CONAQ, Maria Rosalina dos Santos: "Temos uma herança histórica que vem desde nossos antepassados, Palmares foi organizado não por Zumbi, mas por Acotirene, líder religiosa. Com a saída dos homens para trabalhar, as mulheres têm que assumir as comunidades, suas tradições e manifestações culturais, também no roçado e na criação dos filhos e filhas. As mulheres quilombolas são as detentoras dos saberes tradicionais. Foram e são importantes na organização social, produtiva e de estratégias de resistência." Portanto, no que tange à liderança e participação política dentro de fora de quilombos, as mulheres manifestam sua força e proatividade, participando como autoridades nas comunidades, diretoras de associações e porta-vozes com a mídia e imprensa. Contudo, por estarem diretamente ligadas à terra, sofrem diretamente os impactos da neocolonialização e o do conflito agrário. A consequente invisibilidade dos povos dificulta a proteção de seus direitos humanos, os quais deveriam ser assegurados pelo aparelho estatal. Dessa forma, quilombolas estão expostas às variadas formas de violência, sendo as principais impactadas pelos conflitos territoriais, pelos empreendimentos desenvolvimentistas e pela supressão de direitos, o que compromete significativamente seu desenvolvimento social e econômico (ONU Mulheres, 2017). Líderes de comunidades também relatam a falta de representatividade nas políticas públicas que são colocadas no papel, ressaltando que as comunidades não se reconhecem dentro delas. Como exemplificação é possível citar o setor educacional, em razão do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como os planos subnacionais, não incluírem as histórias e manifestações da população residente de quilombos. Por conseguinte, muitas comunidades apresentam um sistema educacional próprio como resposta de resistência cultural. Para além de barreiras culturais, políticas e étnico raciais, é necessário ressaltar as dificuldades físicas que as meninas enfrentam ao buscar acesso à educação tradicional. Sendo assim, tal direito permanece envolto em obstáculos. Aculturação como ameaça A cultura é flexível e se transforma. Pressupondo certa medida de livre arbítrio, o indivíduo não é obrigado a manter o que foi herdado socialmente. Segundo Edgar Morin (2008), as interações cognitivas dos indivíduos também regeneram a cultura, que em consequência torna-se mutável. Entretanto, fenômeno de aculturação pode ser descrito como a interpenetração de culturas, termo designado para explicar as mudanças sociais que podem acontecer através da junção com elementos culturais externos. Assim, o processo também prevê a adaptação do grupo ou povo referenciado para outra cultura, perdendo traços significativos dos seus costumes e valores. Sem uma clara política de geração de renda dentro das comunidades, é possível notar um movimento de jovens quilombolas em direção às periferias das cidades, em busca de melhores oportunidades. O pequeno comércio local nas regiões é traduzido pelo artesanato de bonecas, bolsas, toalhas, painéis e arranjos com fibra de caruá, representando a manutenção das tradições. Logo, os mais velhos temem a aculturação provocada pelo abandono dos territórios. Dessa forma, faz-se necessário que o Estado se direcione para proteger os quilombos, buscando preservar a riqueza cultural ali presente. Etnocídio como consequência Etnocídio é um conceito que traduz a destruição de uma etnia no plano cultural. É semelhante ao conceito de aculturação, sendo mais drástico e, por vezes, irreversível. Em meio à pandemia da Covid-19, que atinge severamente os quilombos e aldeias indígenas, o governo federal publicou a Resolução 11/2020 do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, responsável por agravar a atual situação destes povos. Suas deliberações apresentam riscos de etnocídio para a comunidade quilombola, prevendo sua remoção compulsória e afetando mais de 800 famílias. Apesar da argumentação apresentada pelos habitantes referente ao direito à titulação do território que tradicionalmente ocupam, suas reivindicações foram ignoradas. Considerando os tratados de direitos humanos nos quais o Brasil é signatário, a medida representa uma violação de direitos humanos. Nas Relações Internacionais As comunidades quilombolas reconhecidas estão constituídas enquanto “territórios tradicionais autodeterminados em função da origem étnica e racial dos seus moradores”. Por esta razão, estão amparados pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). A norma garante a esses grupos o direito ao controle da terra e das atividades que assegurem sua sobrevivência e desenvolvimento econômico, como forma de fortalecer e manter suas identidades. Contudo, o posicionamento do governo Bolsonaro é áustero ao afirmar que os interesses quilombolas chocam-se com as necessidades do aparelho estatal. Anteriormente, o povo residente do quilombo de Alcântara já havia sido deslocado de forma compulsória. O papel delas Toda mulher quilombola é sinônimo de resistência. A luta das mulheres quilombolas é travada desde o início da colonização, lutando diariamente pela demarcação de territórios e soberania de seu povo. Possuem um importante papel de advocacy, monitoram o cumprimento das leis e coordenam a luta das comunidades negras rurais pelo fim do racismo institucional, ambiental, social e cultural. Em relação aos principais desafios enfrentados internamente, identifica-se a dificuldade de manutenção das jovens mulheres e meninas, sem incentivo para permanência no território devido ao abandono governamental. Hoje, os quilombos abrigam uma nova geração feminina que busca formação técnica e profissionalizante, enfraquecendo assim o vínculo com as comunidades e raízes. Porém, ao mesmo tempo é possível vislumbrar a formação de novos grupos de trabalho, encontros nacionais e o surgimento de novos movimentos, buscando construir e aprimorar políticas públicas para o bem-viver. Portanto, cabe ao próprio Estado decidir por proteger seus nacionais e ouvir o grito de luta ecoado há mais de 500 anos. Referências: ANJOS, Rafael Sanzio Araujo dos. Quilombolas tradições e cultura de resistência. São Paulo: Aori Comunicação, 2006. CONAQ. Coordenação Nacional de Articulação das Comunidade Negras Rurais Quilombolas. O Protagonismo Das Mulheres Quilombolas. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2020 DE SOUZA, Carmen Lúcia Ferreira; ANTUNES, Lauren Barbosa; NUNES, Georgina Helena Lima. Mulheres quilombolas e educação. identidade!, v. 18, n. 3, p. 382-386, 2013. MONTEIRO, Karoline dos Santos et al. As mulheres quilombolas na Paraíba: terra, trabalho e território. 2013. SAMPAIO, Adriana Cardoso; PACHECO, Ana Cláudia Lemos. Mulheres griôs quilombolas: um estudo inicial sobre identidade de gênero e identidade étnica. Pontos de Interrogação—Revista de Crítica Cultural, v. 5, n. 2, p. 55-70, 2016.
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