Por Mahryan Sampaio
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual é uma agência sustentada
pela ONU criada em 1967. Atualmente, ela possui 193 membros, tem sua sede em
Genebra (Suíça) e seu diretor geral é Daren Tang. A organização trata de serviços,
políticas, informações e cooperação de propriedade intelectual (PI). O principal
objetivo da organização é estabelecer um sistema internacional de propriedade
intelectual de forma equilibrada, que permita a inovação e criatividade para todos.
Desigualdade de Gênero
A desigualdade de gênero é uma consequência de todo o preconceito de
gênero existente. O sistema antigo patriarcal contribuiu e até hoje contribui para a
persistência da desigualdade de gênero. A atribuição de atividades, relações e
poderes ao gênero específico acarreta uma série de consequências, onde as
mulheres são as principais afetadas. Como exemplo, é possível citar a baixa
porcentagem de mulheres ocupando altos cargos, visto que mesmo tendo um
crescimento notável ainda enfrentam dificuldades de inserção, lidando com o
preconceito de gênero e estigmas relacionados ao papel social da mulher. Em
STEM, sigla em inglês para as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e
matemática, as chances de uma mulher conseguir uma posição de liderança e
ascensão de carreira são muito menores. Com a demanda crescente por estes
profissionais em todo o mundo, é preciso que haja um esforço amplo e
direcionamento de medidas efetivas que incentivem a inserção e permanência delas
na ciência. Caso contrário, a disparidade salarial entre os gêneros pode aumentar.
OMPI: o desafio de dados insuficientes e lacunas de gênero persistentes
As estatísticas preliminares da OMPI revelam que em 2020, apenas 16,5%
dos inventores eram mulheres. Na última década, essa participação aumentou
3,8%, e embora os números estejam indo na direção certa, o progresso é lento. Aorganização estima que, no ritmo atual, a paridade de gênero entre os inventores
listados no Tratado de Cooperação de Patentes (PCT) só será alcançada em 2058.
Todas as regiões do mundo observaram um aumento na participação de
pedidos de patentes com pelo menos uma inventora nomeada. Ásia, América do
Norte e América Latina e Caribe superam a média global; em 2020, as mulheres
inventoras que apresentaram pedidos de patentes internacionais na América Latina
e no Caribe representavam 19,2% dos requerentes. A Ásia e a América do Norte
registraram a segunda e a terceira maior participação, com 17,4% e 16,5%,
respectivamente.
Os pedidos de patentes internacionais depositados por meio do Tratado de
Cooperação de Patentes da OMPI são uma referência importante para medir a
atividade inovadora na economia global. Eles também indicam a capacidade dos
inventores de se beneficiarem da proteção de suas ideias.
A participação das mulheres no sistema internacional de patentes varia entre
os campos tecnológicos. As tecnologias relacionadas às ciências da vida costumam
estar entre os campos com maior equilíbrio de gênero. As mulheres são mais
propensas a patentear em biotecnologia (58% dos pedidos internacionais têm pelo
menos uma inventora), produtos farmacêuticos (56%), química fina orgânica (55%)
e química alimentar (51%). Por outro lado, as tecnologias relacionadas à engenharia
e à mecânica estão entre as menos equilibradas em termos de gênero. Poucas
mulheres participam de patentes relacionadas a elementos mecânicos (14%),
motores (15%), engenharia civil (15%), máquinas-ferramenta (16%) ou transporte
(17%).
A atuação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual
A OMPI trabalha ativamente em prol da igualdade de gênero e da plena
participação das mulheres no sistema internacional de direitos de propriedade
intelectual (PI), tanto por meio da integração sistemática de gênero, quanto de
atividades direcionadas na própria organização.
Através do viés organizacional, a OMPI desenvolveu diversas iniciativas
importantes para a promoção da igualdade de gênero. O programa de treinamento e
orientação da organização possui um projeto para a capacitação de mulheres
indígenas empresárias, fortalecendo a capacidade dessas mulheres e comunidadeslocais visando o uso estratégico da propriedade intelectual. Além disso, há painéis
de discussão sobre empoderamento de mulheres na indústria editorial, organizados
durante as Assembléias da OMPI. Outra importante iniciativa foi a campanha de
2018 para o Dia Mundial da Propriedade Intelectual, com o tema “mulheres na
inovação e criatividade”, buscando mostrar toda a engenhosidade e capacidade de
mulheres que contribuem para o setor diariamente. Anualmente, a OMPI trabalha
para o fortalecimento da coleta de dados sobre o uso do sistema de propriedade
intelectual por mulheres, que são disponibilizados através de relatórios. Por fim,
dentre as mais importantes iniciativas da organização está a WIPO Academy,
pensada para levar e aprimorar conhecimentos sobre a PI. A academia recebe
todos os anos milhares de inscrições e já constataram que metade delas são
mulheres.
Política da OMPI sobre Igualdade de Gênero
Como uma das medidas tomadas para criar uma cultura respeitosa de
gênero, em 2014, o Diretor-Geral lançou a primeira Política de Igualdade de Gênero
da Organização. Essa medida se configurou em um importante avanço para a
integração maior do assunto “gênero” em toda a organização, estabelecendo pontos
focais. A organização enfatiza o alinhamento com as políticas gerais da ONU, assim
como considera a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres.
Reconhecendo a escala desse desequilíbrio de gênero, a Assembleia Geral
das Nações Unidas e seus 193 Estados-membros adotaram a Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável. Ela ressalta que a igualdade de gênero e o
empoderamento de mulheres e meninas contribuirão para o progresso em todos os
Objetivos e Metas de Desenvolvimento Sustentável. Como agência especializada
das Nações Unidas, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual está
empenhada em promover a igualdade de gênero no campo da propriedade
intelectual.
A Política de Igualdade de Gênero visa a integração de gênero em suas
políticas e programas. Algumas dessas metas são descritas em seu documento.
Alcançar a igualdade de gênero é um objetivo transversal no trabalho da OMPI, ou
seja, é um objetivo comum a todos que fazem parte da organização. É traçado deforma gradual, garantindo que todo o ensinamento seja repassado para os
diferentes níveis hierárquicos. A comunicação e o compartilhamento de
conhecimento são princípios fundamentais dessa política desenvolvida pela OMPI,
garantindo boas práticas que favorecem a melhor integração das perspectivas de
gênero no ambiente organizacional. Para a implementação dessa política existem
planos de ação desenvolvidos pela própria OMPI para um melhor aprofundamento
do tema, resultando em ações efetivas para a institucionalização da equidade de
gênero. Dentre as iniciativas, destaca-se a preocupação em promover um ambiente
representativo através da contratação de mais mulheres.
Inovação, criatividade e diferença de gênero
Sociedades do mundo todo têm se beneficiado do trabalho de mulheres
inventoras, designers e artistas, apesar delas se beneficiarem menos do que
homens do sistema de PI. A análise da OMPI mostra que menos de um terço de
todos os pedidos de patentes internacionais depositados em 2015 incluíam
inventoras. Os dados representam melhorias com relação às estatísticas de 1995,
em que mulheres representavam apenas 17% dos pedidos, com alguns países e
regiões apresentando desempenho menor do que a média global. As disparidades
de gênero são mais difíceis de medir em relação a obras criativas, como livros,
músicas e filmes, porque os direitos de PI que protegem essas obras (direitos
autorais e direitos relacionados) geralmente surgem automaticamente e não
precisam ser registrados com uma autoridade central, dificultando seu rastreamento.
Contudo, as informações disponíveis sugerem que as mulheres ficam atrás dos
homens nas indústrias criativas, pois essas profissões são dominadas por homens.
As Nações Unidas relatam que apenas 7% dos diretores de cinema e 20% dos
roteiristas do mundo são mulheres. Da mesma forma, um estudo do mercado global
de arte revelou que as obras de artistas mulheres vendem menos em leilões do que
as de homens.
Uma mesa redonda de especialistas na OMPI em 2017 forneceu uma visão
geral de alguns fatores importantes que impedem a maior participação das
mulheres, argumentando que essas disparidades refletem preconceitos e
estereótipos sobre elas. Grande parte da sociedade ainda associa as mulheres aos
seus “papéis tradicionais'' como mães e cuidadoras, ao invés de líderes potenciaisem ciência, tecnologia, negócios e artes. A desigualdade também é causada por
estruturas econômicas e sociais inflexíveis que podem restringir as perspectivas
profissionais das mulheres, que podem ter sucesso como estudantes nos estágios
iniciais e por fim estagnarem em suas carreiras, especialmente se reservarem um
tempo para ter filhos.
Adicionalmente, podem haver problemas que se relacionam mais
especificamente com o sistema de propriedade intelectual; o desenvolvimento de
alguns tipos de PI, especialmente patentes, pode envolver um compromisso
financeiro significativo, e há um argumento de que as mulheres priorizam a
estabilidade de sua renda familiar, o que as tornam menos inclinadas ao risco
comparado com os homens. Alguns estudiosos do direito criticaram o sistema de PI
sob uma perspectiva feminista, argumentando que, embora seja aparentemente
neutro, certos elementos da lei podem incluir preconceitos contra as mulheres.
Mulheres e o sistema internacional de patentes: tendências encorajadoras
As evidências mostram que a proporção de mulheres que publicam artigos
científicos é menor do que as que trabalham como pesquisadoras. Por sua vez, a
proporção de mulheres que usam o sistema de patentes permanece baixa em
comparação com a proporção de artigos científicos que publicam a cada ano.
Alguns estudiosos se referem a esse padrão como "leaky pipeline". (WIPO, 2021).
Para atingir a igualdade de gênero, a OMPI compilou um dicionário mundial
de nomes de gênero com 6,2 milhões de nomes de 182 países diferentes, com o
objetivo de identificar o gênero de inventores, designers e outros usuários de PI.
Esse dicionário é atualizado periodicamente para aumentar o escopo global de suas
estatísticas de PI e gênero.
A organização utiliza como base estatística os pedidos de patentes
internacionais, servindo de importante referência. Quando a representação de
mulheres em pedidos é baixa, torna-se um indício de que o potencial inovador das
mulheres está sendo subutilizado. Entretanto, a OMPI ressalta que este número
está aumentando constantemente, principalmente na América Latina. Todavia, a
análise dos dados de forma isolada não explica as reais dimensões da diferença de
gênero ou o incentivo das mulheres na ciência por suas respectivas nações. Muitos
países de renda média, como o Brasil e o México, têm um melhor equilíbrio degênero no patenteamento internacional do que países de alta renda como Canadá,
Dinamarca e Finlândia. Por fim, é possível inferir que romper as barreiras de gênero
beneficiaria a todos, pois qualquer obstáculo que restringe a inovação e a
criatividade pode resultar em perda dos potenciais benefícios ocasionados pelas
ideias de mulheres. De acordo com os princípios da OMPI, a igualdade de gênero é
uma base necessária para um mundo pacífico, próspero e sustentável. Em parte,
ampliar o leque de talentos aumenta as chances de surgirem novos insights
valiosos, mas as mulheres também trazem uma perspectiva diferente, garantindo
que novos produtos e processos atendam as necessidades de toda a população.
REFERÊNCIAS
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https://www.wipo.int/wipo_magazine/en/2018/02/article_0008.html. Acesso em: 18
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