por Mahryan Sampaio Rodrigues
O conceito feminicídio foi usado pela primeira vez por Diana Russel em 1976, no Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres. O termo é empregado para caracterizar o assassinato de mulheres apenas por serem mulheres. O conceito “descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade” (MENEGHEL et al. 2017). Em 1992, o termo feminicídio emergiu no contexto da América Latina. Atualmente, essa terminologia é utilizada dentro do código penal em 17 países da região, sendo eles: Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Chile, El Salvador, Peru, Nicarágua, México, Argentina, Honduras, Bolívia, Panamá. Equador, Venezuela, República Dominicana, Brasil e Uruguai (ROMIO, 2017). Mesmo com mecanismos dentro do código penal a América Latina ainda possui números alarmantes de feminicídio. Segundo os dados oficiais do Observatório de Igualdade de Gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ao menos 3.529 mulheres foram vítimas de feminicídio no ano de 2018 (NAÇÕES UNIDAS, 2019). Segundo o relatório produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e ONU Mulheres, a região da América Latina e Caribe é a mais violenta do mundo para as mulheres, com altas taxas de feminicídio. Os países com a taxa mais alta de feminicídio por cada por cada 100.000 mulheres são: El Salvador (6.8), Honduras (5.1), Bolívia (2.3), Guatemala (2.0) e República Dominicana (1.9). O Brasil e Argentina possui uma taxa de 1,1 por cada 100.000 mulheres (OBSERVATÓRIO DE IGUALDADE..., 2018). Em 2019, o Brasil registrou um total de 1.314 femininicios, sendo o maior número registrado desde que a lei entrou em vigor, em 2015. Dos casos de feminicídio registrados no país 58% são de mulheres negras (SILVEIRA, 2019).
De acordo com Silva (2019), em 25 estados do Brasil a taxa de homicídio de mulheres negras em 2016 era mais elevada do que a de mulheres não negras, sendo Roraima e Paraná as únicas exceções. Ainda que este dado, proveniente do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, não aponta necessariamente feminicídio, mas sim homicídio, é importante observar que há uma disparidade muito grande entre mulheres negras e não negras.
Segundo dados curados pela Agência Patrícia Galvão, com base no Mapa da Violência 2015 (BRASIL, 2015), em 10 anos houve um aumento de 54% na taxa de assassinato de mulheres negras, sendo que, no mesmo período, o número de homicídio de mulheres brancas diminuiu 9,8%. O Diagnóstico dos homicídios no Brasil, disponibilizado também em 2015 pelo Ministério da Justiça, nos traz um fato ainda mais alarmante: mulheres negras possuem duas vezes mais chances de serem assassinadas que as brancas, tendo em vista que a taxa de homicídios por agressão era, na época, de 3,2/100 mil entre brancas e 7,2/100 mil entre negras. Para Jurema Werneck, membra da ONG Criola, médica, Doutora em Comunicação e Cultura e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, "Na morte a gente se iguala, mulher negra ou mulher branca morta é igualzinha. Mas os processos são diferentes, o tamanho do desvalor que uma mulher negra experimenta nenhuma branca experimenta".
Outro ponto de agravamento no país é a violência contra pessoas LGBT. De acordo com Jaqueline Gomes de Jesus, psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em psicologia social e do trabalho e pós-doutora em trabalho e movimentos sociais, há um verdadeiro genocídio da população trans no Brasil. “Estamos em um país onde essas pessoas não têm sequer o direito à vida. Por isso eu digo genocídio, porque para além dos feminicídios, há uma ação deliberada, de um grupo ou uma sociedade, em eliminar um determinado grupo de um espaço social, há o ódio a esse ‘outro’.”
Isto posto, é preciso observarmos que os feminicídios e o assassinato violento de mulheres se dá com base em uma estrutura de discriminação das mulheres, que sustentam e fomentam outras formas de violência, mais sutis, naturalizadas, intrincadas no dia-a-dia brasileiro. Dentre as violações mais comuns podemos destacar: a violência simbólica, sempre vigente nos meios de comunicação; o assédio sexual, presente nos ambientes educacionais e laborais; a violência obstétrica, quase institucionalizada nos cuidados e atenção à saúde; a violência e o assédio sexual, habituais nos espaços públicos, em especial no transporte público. (GHERARDI, 2016)
Em suma, o feminicídio pode ser compreendido como uma manifestação violenta e fatal de uma série de violências que atingem mulheres em sociedades e meios profundamente marcados pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino. Estas desigualdades, que são pautadas em construção históricas, culturais, econômicas, políticas, sociais e discriminatórias, podem se manifestar de diferentes formas, indo desde o acesso desigual a oportunidades e direitos até violências mais agravadas. (AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO)
Por fim, e após essa breve explicação acerca do tema, é preciso que nós, enquanto internacionalistas, pensemos em diferentes formas de combate ao feminicídio. É preciso pensarmos no âmbito dos Estados, mas também no das Instituições. E, acima de tudo, no aspecto social e, como posto no Dossiê da Agência Patrícia Galvão, é preciso que sejamos capazes de responder a pergunta: ‘Como evitar mortes anunciadas?’
REFERÊNCIAS:
____. Como e por que morrem as mulheres? Agência Patrícia Galvão. Dossiê Feminicídio. Disponível em https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/como-e-por-que-morrem-as-mulheres/#mulheres-negras-morrem-mais Acesso em 16. Jun. 2020
BRASIL. Lei Nº 13.104, de 9 de março de 2015. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2015/lei-13104-9-marco-2015-780225-publicacaooriginal-146279-pl.html Acesso em 16 Jun. 2020
GHERARDI, N. Violência contra mulheres na América Latina. Sur - Revista Internacional de Direitos Humanos. SUR 24 - v. 13, n. 14, 129 - 126. 2016.
MENEGHEL, S. et al. Feminicídios: conceitos, tipos e cenários. Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.9 Rio de Janeiro Sept. 2017.
NAÇÕES UNIDAS. CEPAL: 3,5 mil mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina e Caribe em 2018. Disponível em: https://nacoesunidas.org/cepal-35-mil-mulheres-foram-vitimas-de-feminicidio-na-america-latina-e-caribe-em-2018/ Acesso em: 16. Jun. 2020.
OBSERVATÓRIO DE IGUALDADE DE GÊNERO DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE. Feminicídio ou Femicídio. Disponivel em: https://oig.cepal.org/pt/indicadores/feminicidio-ou-femicidio Acesso em: 16. Jun. 2020.
ROMIO, J. Feminicídios no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017.
SILVA, V. R. da. Diferença entre as taxas de homicídio de mulheres negras e não negras evidência racismo, diz coordenadora do Mapa da Violência de Gênero. Gênero e Número. Disponível em http://www.generonumero.media/diferenca-entre-as-taxas-de-homicidio-de-mulheres-negras-e-nao-negras-evidencia-racismo-diz-coordenadora-do-mapa-da-violencia-de-genero/ Acesso em 16 Jun. 2020
SILVEIRA, C. Machismo mata, e mulheres negras são as que mais morrem. Humanista: Jornalismo e Direitos Humanos. UFRGS, 2019.
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