Por Mahryan Sampaio
A concepção de família vem sendo repensada e aperfeiçoada de acordo com cada época. Anteriormente a família era tida como um modelo nuclear, onde a figura paterna do homem era relacionada ao papel de provedor, associando a mulher, por sua vez, à função de cuidadora. Mudanças surgem a partir do século XX, quando o movimento feminista propõe questionamentos acerca das noções de democracia e autonomia, reconhecendo a mulher como um sujeito político dotado de direitos. Entretanto, ainda hoje a construção da mulher é um dos fatores que repercute na qualidade de vida das trabalhadoras fora de seu lar, visto que inserção delas no mercado de trabalho continua a ser guiada por estigmas do feminino, que mesclam a tríade imposta “profissional, mãe e esposa”.
No mercado de trabalho sexista, há um lugar reservado para elas: professoras, pedagogas, enfermeiras, psicólogas, assistentes sociais, terapeutas, dentre outras que remetem a função social primordial da mulher, tida como intrínseca à sua natureza: cuidar.
Estruturalmente replicado para todas as esferas, o preconceito de gênero se faz presente também nas relações internacionais e diplomacia, onde elas são alocadas para atuarem em temas como cultura ou direitos humanos - considerando uma sensibilidade “natural” feminina - ou para servirem em países subdesenvolvidos com menor projeção política internacional. Ignoram-se as trajetórias de grandes guerreiras, inventoras, cientistas e líderes políticas, negligenciadas na história e memória. Em seu livro “You Just Don’t Understand”, a professora de linguística de Georgetown Deborah Tannen aborda a natureza das relações humanas a partir do gênero. Segundo ela, desde a infância meninos e meninas são educados para diferentes abordagens de linguagem e comunicação. Enquanto as mulheres desenvolvem uma “conversa de relacionamento”, estilo de comunicação destinado a promover afiliação social e conexão emocional, os homens comunicam-se através da “conversa de relatório”, focados na troca de informações com pouca importância emocional. Dessa forma, mulheres estariam em busca de estabelecer vínculos e negociar relacionamentos, enquanto homens utilizariam a comunicação para preservar a independência e a ordem social hierárquica. Críticas à obra de Tannen classificam sua tese como limitada, em função de suas generalizações de gênero. Contudo, é possível afirmar que os padrões estereotipados guiam ainda hoje a educação e socialização de homens e mulheres, e consequentemente sua vida em sociedade.
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente estado de pandemia de Covid-19, doença causada pelo coronavírus (Sars-Cov-2). Diante disso, os países deveriam adotar uma abordagem envolvendo todo o governo e sociedade, construída em torno de uma estratégia integral e combinada para prevenir infecções, salvar vidas e minimizar o impacto. Durante a crise sanitária, as mulheres chegaram a representar 70% da linha de frente dos profissionais de saúde. De médicas a técnicas de enfermagem, elas estiveram engajadas em salvar vidas trabalhando no combate à doença ou no processo de imunização dos primeiros grupos a receber as doses de vacinas. Todavia, considerando o estado mundial de emergência de saúde e a jornada dupla de mulheres com relação ao trabalho e família, mulheres na linha de frente relatam frequentemente se sentirem sobrecarregadas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a jornada semanal das mulheres dura em média 3,1 horas a mais do que a dos homens considerando o tempo dedicado ao emprego e ao cuidado da casa e de seus moradores (Revista Globo, 2019). Além disso, se culpam por não poderem estar presentes fisicamente no dia-a-dia dos filhos, parentes e amigos, e afirmam terem que fazer mais opções em prol da família do que o homem.
A sociedade espera que mulheres casadas, com filhos pequenos, parentes próximos ou vida social ativa diminuam a carga de trabalho, passem mais tempo no lar e recusem eventuais oportunidades no trabalho. Se a divisão no lar fosse mais equilibrada, homens e mulheres poderiam dividir a função de cuidado, dando oportunidade para ambos prosseguirem com suas carreiras da melhor forma. As mulheres ainda precisam percorrer um longo caminho até conseguirem usufruir de todas as conquistas de forma mais leve, sem culpas e desconfortos, mas seguem resistindo às disparidades de oportunidades de trabalho, reorganizando-se no campo profissional e ressignificando seu papel social e lugar de cuidado.
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