Por Isabela Mendes
Antes da Primeira Guerra Mundial, o território da Palestina tinha sido disputado pela França e pela Grã-Bretanha, após o desmembramento do Império Otomano. A Liga das Nações, consequentemente, foi responsável por decidir os mandatos. O resultado foi que o mandato sobre a Síria e o Líbano foi delegado à França e o mandato sobre a Mesopotâmia e a Palestina foi delegado à Grã-Bretanha. A França resguardou alguns territórios reivindicados pela Organização Sionista Mundial, e a Grã-Bretanha, em 1921, com a revisão do texto do mandato sobre a Palestina, deixou de ter obrigações de aplicar a Declaração de Balfour para além do Jordão. (DUPAS, VIGEVANI, 2002, p.13)
Da partilha da Palestina havia duas propostas em discussão. A primeira proposta era do plano da maioria, de ponto de vista sionista: um Estado árabe e outro judeu. E o plano da minoria de criação de um Estado federal com duas unidades políticas. O plano adotado foi o da maioria, com a criação do Estado de Israel em 1947. A criação do Estado de Israel foi proclamada em 14 de maio, pouco antes do fim do mandato britânico na Palestina. O conflito entre Israel e os palestinos se intensificou com a reação árabe à criação do Estado de Israel após a retirada das tropas inglesas. (DUPAS, VIGEVANI, 2002, p.8)
Antes da criação do Estado de Israel, no Oriente Médio, os sionistas se organizaram em instituições quase governamentais, com, até mesmo, capacidade militar, o que desagradou à comunidade palestina cuja reação desembocou na Revolta Palestina, de 1936 a 1939, caracterizada pela luta de guerrilha, que foi repreendida pelos judeus com apoio britânico. Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus vítimas do holocausto precisavam ainda mais de um lar. Em 1945, a Palestina recebeu os primeiros refugiados judeus da Guerra e em 1947, a Grã-Bretanha convocou a reunião na qual foi recomendada a partilha da Palestina para criação de um estado árabe e um judeu, associados numa unidade econômica com Jerusalém internacional. O descontentamento árabe frente a esta recomendação junto à resposta judia se expressou em forma de batalha na Guerra dos Seis Dias através da qual Israel anexou territórios palestinos, como o Sinai e as Colinas de Golã. (DUPAS, VIGEVANI, 2002, p. 14-16)
Paralelamente a este contexto doméstico, no Oriente Médio, com a eclosão da Primeira Intifada, em fins de 1987, o status quo do conflito árabe-israelense mudou novamente. Diante da proclamação unilateral do Estado da Palestina pelo Conselho Nacional Palestino em 15 de novembro de 1988, na ONU foi votada a Resolução 43/177 (“Questão da Palestina”), que reconhecia o novo status soberano da Palestina e alterava a denominação anterior Organização para a Libertação da Palestina para Palestina (mais precisamente Autoridade Nacional Palestina) no sistema das Nações Unidas. (CASARÕES, VIGEVANI, 2014, p.162)
A academia de Relações Internacionais nos ajuda a pontuar historicamente quando cada etapa do conflito entre Israel e Palestina aconteceu. Mas a crítica que acadêmicos de Ciências Sociais trazem à nossa academia internacionalista é a de que devemos estudar o conflito não apenas pela ótica política, mas pela antropologia e pelas subjetividades do indivíduo.
Por isso, para tentar entender todo o processo que levou ao conflito que se estende até hoje é necessário perceber a Nakba: a limpeza étnica do povo árabe que vivia na região que hoje é majoritariamente Israel. Os árabes vivenciaram horrores e por isso enxergam Israel como um Estado Colonial e o projeto sionista como um projeto racista ao visar criar um Estado Judaico em uma região que era Palestina, isto é, expulsar os árabes para colocarem os judeus, através de um processo violento. O Sionismo existe desde antes da 2ª Guerra Mundial, em 1901, por exemplo, a Organização Sionista, que buscava terras para o abrigo do povo judeu, que desde antes da de 1945 já sofria muitos preconceitos, comprou terras na Palestina. O problema foi que os árabes que habitavam lá tiveram que emigrar em busca de trabalho, pois na região comprada trabalhariam apenas judeus, essa segregação e ocupação mais tarde levou à Nakba (Tragédia), cujo resultado foi a diáspora palestina. Apesar da diáspora os árabes resistiram e organizaram revoltas mas todo este processo foi violento.
O acadêmico palestino Hanan Asharawi em um discurso em 2001 nas Nações Unida explicou que a nação palestina é cativa, refém de uma Nakba permanente - personificação mais elaborada e dificultada do colonialismo, apartheid, racismo e vitimização. Daí a importância de alertar e lutar contra a ocupação de territórios palestinos.
A organização Peace Now é uma das muitas que alertam sobre os assentamentos ilegais de Israel na Palestina. Na Palestina, a região da Faixa de Gaza é controlada pelo Hamas e West Bank pela Autoridade Nacional Palestina mas Israel controla todas as fronteiras, e esse controle do ir e vir palestino permite que o termo apartheid seja usado para explicar a situação que o povo se encontra.
Devemos ter muito cuidado com o resultado que esse processo violento está causando hoje. As ações das partes em conflito nem sempre seguem as leis do Direito Internacional, as notícias mostram reféns e mortos de todas as idades. Esta semana especificamente as partes deram uma trégua, mas a qualquer momento tudo pode escalar novamente e as soluções propostas e debatidas são: 2 Estados e 1 Estado. Enquanto não houver acordo, enquanto a ocupação não parar, a tragédia permanecerá. Claramente a política interna de Israel influencia nas tratativas, e Netanyahu no poder é um problema visto seus posicionamentos racistas. A luta da esquerda israelense contra o Likud, partido de Netanyahu, acontece mas nem sempre vence, o que impede também uma tratativa pacífica e leis justas.
Para entender o lugar das mulheres no processo de guerra e paz entre os países segue algumas pontuações para reflexão.
O alistamento militar é obrigatório para todos os cidadãos israelenses, o que significa que há mulheres no IDF. Do ponto de vista do feminismo liberal mulheres ocuparem o exército, espaço masculinizado, é um avanço. A autora Sasson-Levy nesse aspecto alerta que essas mulheres para verdadeiramente se inserirem neste espaço masculino, passam a se masculinizar, nas atitudes e nos discursos. O feminismo mais tradicional olha para a mulher palestina, por trás do véu, apenas como oprimida e não enxerga suas lutas. Luta esta que não é necessariamente armada, quando há mulheres que têm na maternidade sua forma de resistência. Neste sentido o feminismo islâmico diferentemente do feminismo liberal considera essa agência feminina como luta de resistência.
Quando se considera os assentamentos como um ato vindo por parte de Estado enxergado pelos que estão sofrendo com a ocupação como Colonialista e quando se enxerga que as mulheres apesar da vulnerabilidade dos seus corpos em conflito também lutam , o feminismo decolonial traz a crítica de que não é possível universalizar as mulheres e suas experiências e lutas. Nesse sentido contrapõe o feminismo liberal onde apenas gênero é analisado, pois traz à análise outras questões como raça e classe, analisando o patriarcado e o colonialismo ao mesmo tempo.
Muitas são as organizações de mulheres judias e palestinas que discutem o conflito e tentam avançar para a paz: União das Mulheres Palestinas, Women’s Work Committee, Mulheres de Preto, Filhas da Paz, Coalizão das Mulheres pela Paz, Observatório dos postos de controle, Quem se Beneficia, entre outros. Cada uma dessas organizações tratam das questões das mulheres através de uma lente, mas a proposta deste texto é pincelar a questão histórica até o momento atual e destacar o feminismo decolonial como necessário quando se trata de analisar conflitos que envolvem mulheres plurais, cada qual com sua religião, cultura, raça e classe. Talvez quando essas mulheres forem colocadas em grande número dentro dos órgãos decisores de ambos governos possamos verdadeiramente alcançar uma solução pacífica a qual parece cada vez mais distante.
Referências Bibliográficas:
BARKAY, Rafaela. Nenhuma mulher será livre até que todas as mulheres sejam livres. Psicologia Política, vol 16, 2016.
MENDES, Isabela. Política Externa do Brasil para o Oriente Médio durante os governos Lula (2003-2010): o lugar de Israel e Palestina.
OCHÔA, Natália. Sobre mulheres e lutas: uma análise pós colonial dos movimentos de mulheres palestinas. U
VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação. Contexto Internacional, v. 29, n. 2, 2007, p. 273-335.
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