por Deborah Lopes
O movimento feminista brasileiro teve um papel importante no decorrer das Conferências a ONU sobre Mulher, assim como as ondas feministas internacionais. No bojo da segunda onda feminista, situada entre as décadas de 1960 e 1980, suas influências vieram sob a demanda de maior igualdade e inclusão no mercado de trabalho, visto que com a urbanização das cidades e o aumento do mercado de trabalho levaram a inclusão das mulheres neste polo (PEDRO, 2012). Vale lembrar que entre os anos 1960 e 1970 ocorreu o segundo movimento de descolonização e como consequência, o aquecimento de movimentos sociais vinculados a emancipação das minorias, sobretudo, das mulheres (FONTÃO, 2011). Vivia-se um contexto de intensa efervescência política e cultural com os movimentos de libertação nacional (ABREU, 2010).
De acordo com Cecília Sardenberg (2018), deveriam tratar essas relações como relações de poder socialmente construídos e não como derivadas da biologia. Tal cenário de mudança teve impacto significativo sobre a forma de como o tema era abordado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a estratégia adotada pela Organização por meio de normativas jurídicas foi considerada insuficiente, a partir da constatação de que a igualdade formal de direitos não garantia a igualdade real (FONTÃO, 2011).
Devido a essas crescentes demandas de melhorias sociais para a inclusão das mulheres na sociedade, levou a ONU, em 1975, decretar o ano como o Ano Internacional das Mulheres e com isso a I Conferência Mundial sobre Mulher, sediada no México, para que as delegações de cada país pudessem, em conjunto, formular diretrizes para eliminar a discriminação da mulher e para avançar nas pautas sociais. Esta conferência além das delegações de países, contou também com fóruns de organizações não-governamentais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.a/a), bem como de ativistas, nesta categoria se inclui o movimento feminista brasileiro. Desta I Conferência resultou o Plano de Ação para o decênio 1976-1985, com projetos a respeito da igualdade de gênero e a eliminação de discriminação em razão de gênero, além disso fora criado o Fundo de Contribuições Voluntárias da ONU para a década da mulher, o qual viria a ser convertido no Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) [ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS MULHERES, s.a/a].
Graças ao desempenho do movimento feminista brasileiro o ano de 1975 tornou-se um marco na difusão das ideias feministas no Brasil (TELLES, 2017), mesmo sob a ditadura militar o movimento feminista brasileiro via o apoio da ONU como forma de reivindicar seu protagonismo sobre as diversas esferas públicas e políticas. Nas palavras de Maria Telles (2017),
enquanto as mulheres dos países europeus e norte-americanos viam com desconfiança a iniciativa da ONU, no Brasil, ela caiu como uma luva: excelente instrumento legal para fazer algo público, fora dos pequenos círculos das ações clandestinas.
O Ano Internacional da Mulher trouxe vários avanços para o Brasil, além do fomento do debate interno acerca dos problemas sociais das mulheres, houve também a criação do Centro da Mulher Brasileira, sediado no Rio de Janeiro, fomentando a primeira organização feminista no Brasil, e a criação do Centro de Desenvolvmento da Mulher, sediado em São Paulo. Como consequência da I Conferência, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), adotou a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, definindo a discriminação contra a mulher e estabelece uma agenda para ação nacional para por um fim à discriminação.
Cinco anos após o Ano Internacional da Mulher, com o intuito de avaliar os progressos alcançados no Plano de Ações da I Conferência e, por sua vez, atualizá-lo ocorreu a II Conferência Mundial sobre Mulher, sediada na Dinamarca, sendo uma extensão da chamada Década da Mulher (FONTÃO, 2011). A comunidade internacional passou a adquirir mais consciência acerca da situação da mulher e as questões de gênero nos fóruns de debate acerca da condição da mulher (NICODEMOS, 2005). A partir deste momento, começou-se a dar visibilidade às questões específicas que atingiam os diversos grupos de mulheres, tais como as mulheres negras e lésbicas, contestando-se a suposta homogeneidade do termo “mulher” (FONTÃO, 2011).
Por mais que a II Conferência fosse de caráter revisionista e de acompanhamento, introduziu no debate a participação de homens e a vontade política dos Estados para o enfrentamento da escassez de mulheres nos postos de decisões, baixo investimento nos serviços sociais de apoio (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS MULHERES s.a/a).
Em razão das poucas metas alcançadas nas duas Conferências, em 1985, ocorreu a III Conferência Mundial sobre Mulher, sediada no Quênia, Nas palavras de Beatriz Rubin (2012), no âmbito do debate, pela primeira vez, declarou-se que todos os problemas humanos eram também problemas das mulheres. Um dos principais documentos elaborados pela Conferência de Nairóbi foi o que intitularam de “Estratégias de Nairóbi” o qual estabelecia um verdadeiro plano de ação para a promoção de mais igualdade. Tal documento pode ser considerado o mais progressista dentre os documentos elaborados no âmbito da Conferência. Nas palavras de Marcela Nicodemos (2005),
embora a ênfase do documento ainda seja sobre “papéis” da mulher, ele retoma, ainda que timidamente, a ideia original, contida na Carta de São Francisco e na Declaração Universal de Direitos Humanos, de “direitos” da mulher.
A III Conferência no Brasil, esbarra no período da redemocratização do país e para mostrar que o governo rompeu com os dogmas autoritários o Estado adotou políticas públicas dirigidas às mulheres que tendessem a promover a condição de igualdade de gênero, sendo implementadas nos anos subsequentes da Conferência. Instruíram Conselhos da Condição e dos Direitos da Mulher, além da criação, em 1985, das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, em São Paulo. No mesmo ano, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) que era ligado com conselhos estaduais e municipais o qual era responsável por coordenar campanhas e palestras sobre temas ligados à mulher, fortalecendo e dando visibilidade para as reivindicações do movimento feminista.
A IV Conferência, sediada em Pequim, em 1995, foi reflexo da efervescência dos movimentos sociais no Brasil e no mundo, além da década ser conhecida como “a década das conferências”. Esta IV Conferência foi o maior evento em termos de mobilização e teve como um de seus objetivos analisar os avanços dos Planos de Ações das demais Conferências. Esta, traz ação para o debate e cria a Plataforma de Pequim o qual afirma que os direitos das mulheres são direitos humanos trazendo uma universalidade do conceito e o respeito à especificidade das culturas.
A Plataforma de Ação, então direcionou a atuação dos atores em níveis nacional, regional e internacional, à promoção do empoderamento das mulheres e à superação das desigualdades, foram aprovados, também, a incorporação do direito à saúde sexual e reprodutiva para as mulheres, inclusive do direito ao aborto com assistência pelo Estado, e a descriminalização do mesmo (FONTÃO, 2011).
No que diz respeito ao ambiente doméstico, esta propiciou o estreitamento do diálogo entre o Estado e o movimento feminista que antes fora interrompido no governo Collor[1] quanto do âmbito internacional o movimento feminista brasileiro foi amplamente reconhecido como um dos movimentos de mulheres mais diversificados, melhor articulados e sendo o mais influente da América Latina (SARDENBERG, 2018).
Ainda nas palavras de Cecília Sardenberg (2018),
a delegação brasileira foi ainda creditada pelo reconhecimento da relevância do trabalho das mulheres, particularmente o não remunerado, bem como pela inclusão de questões de raça e etnicidade como determinantes de discriminação contra mulheres, uma questão vista como essencial no combate contra as desigualdades sociais.
Em conclusão, as Conferências da ONU foram importantes para o movimento feminista brasileiro e para as mulheres brasileiras, trazendo benefícios e criando espaços de debate. No âmbito internacional, os ganhos das Conferências também foram importantes, uma vez que definiu e situou o lugar da mulher na sociedade, bem como evidenciou os problemas desse lugar - ou de sua falta - para os Estados. Como consequência destas, diversos acordos em prol dos direitos das mulheres foram conquistados, assim como leis internas brasileiras. Apesar de terem sido avanços, na visão de algumas feministas, tímidos, estes criaram um espaço para que sempre as mulheres possam recorrer quando de uma violação de seus direitos.
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Maria Luisa. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. 2010. Dissertação (Mestrado) - IFCH/Unicamp, Campinas.
FONTÃO, Maria Angélica Breda. As conferências da ONU e o movimento de mulheres: Construção de uma agenda internacional. 2011. Monografia apresentada para título de Bacharel em Relações Internacionais.
NICODEMOS, Marcela M. Conselheira. As nações Unidades e a proteção do direito da mulher: Retórica ou realidade? 2005. IRBR - XLVIII CAE. Brasília.
__________. Site Oficial da ONU Mulheres. http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/conferencias/. Acesso em 06. 12. 2020.
PEDRO, Joana Maria. O feminismo de "Segunda Onda" - Corpo, Prazer e Trabalho. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
RUBIN, Beatriz. O papel das Conferências Mundiais sobre as Mulheres frente ao paradigma do empoderamento feminino. 2012.
SARDENBERG, Cecilia. Negociando gênero em desenvolvimento: Os feminismos brasileiros em destaque. 2018. Cadernos Pagu v. 52.
SARDENBERG, Cecilia; COSTA, Ana Alice. A transversalização de gênero e raça no Plano Nacional de Qualificação: análise crítica e diretrizes. 2008. SER. Social, Brasília, v. 10, n. 23, p. 101-138.
TELLES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do feminismo no Brasil. Editora Alameda, São Paulo. 2017.
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