Por: Camila Benzaquen
Por muito tempo as mulheres foram excluídas de atividades importantes da sociedade, como votar, estudar, trabalhar, et al. O ambiente domiciliar era considerado como o único lugar no qual as mulheres deveriam estar, sendo todos os outros tidos como “lugar de homem”. Para elas era reservado apenas a vida doméstica, tomando conta das crianças, cuidando da casa, preparando comida, e fazendo todas as vontades de seus maridos e parentes do sexo masculino. Elas eram educadas apenas para a vida materna e do lar.
Dependentes de seus cônjuges e familiares, elas não possuíam liberdade financeira, não podiam fazer suas próprias escolhas, expressar suas opiniões, ir aonde desejassem, e muito menos podiam se portar e se vestir da maneira que quisessem. Consideradas pelos homens como inferiores, elas eram tidas como incapazes de participar da vida política,e não podiam debater e nem falar sobre esse e outros assuntos.
Por conta dessa exclusão, tudo o que conhecemos foi contado, escrito, e feito de e para homens. A área acadêmica é uma das diversas áreas dominadas por eles; apenas em 1979 que o gênero feminino começou a participar da academia. Os estudiosos e escritores mais renomados são homens. Essa falta de protagonismo feminino pode ser vista no livro As 100 maiores personalidades da história. Além de ter sido escrito por um homem, das cem pessoas citadas no livro, apenas três são mulheres, sendo elas: Rainha Isabel I, Rainha Elizabeth II e Marie Curie.
Além dessa exclusão, há também a anulação do papel importante que as mulheres tiveram em algumas áreas, como nas ciências exatas, na literatura, nas artes e até mesmo nas guerras. Dessa maneira, nada foi contado pela perspectiva das mulheres ou de outras minorias. Silenciadas, por muitos séculos suas perspectivas e vivências foram ignoradas.
A Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, que trouxe o desenvolvimento das tecnológico, a Primeira e Segunda Guerra Mundial, e a revolução feminista da década de 70, deram início a participação em massa da mão de obra feminina no mercado de trabalho. Atualmente, por mais que muitas mulheres trabalhem fora, ganhem o seu próprio dinheiro, e sejam independentes, o mundo ainda é muito machista. A crença de que o gênero feminino não teve impacto nenhum na história continua presente na mente de algumas sociedades.
Dessa maneira, é fundamental que a academia mostre como as mulheres tiveram sim um papel importante na construção histórica do mundo, e como elas impactaram e ainda impactam o presente e futuro do sistema internacional. Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre a participação das mulheres nas duas Grandes Guerras, analisando o impacto e a importância que elas tiveram no conflito, tendo em vista que sua participação nesse tipo de evento era algo até então incomum.
A entrada das mulheres no conflito
O mundo da guerra foi por muito tempo dominado por homens. Eles que atuavam nas linhas de frentes, estruturavam as estratégias que seriam utilizadas nas batalhas, produziam armamentos, pilotavam tanques, aviões e navios, entre outras atividades. Já as mulheres atuavam indiretamente, efetuando primeiros socorros e cuidando dos feridos, cozinhando para os soldados e também, infelizmente, eram tidas como um “passatempo” para que os soldados pudessem desestressar.
Essa foi a realidade da guerra por muitos anos, até que, por conta do número de homens que iam para a linha de frente, por conta da alta taxa de soldados mortos, e pela demanda surgida com o início da guerra, a mão de obra feminina passou a ser necessária para auxiliar nas atividades antes consideradas masculinas. Agora elas eram engenheiras, supervisoras de produção e motoristas de caminhão. Na Grã-Bretanha, por volta de dois milhões de mulheres passaram a ocupar os postos de seus maridos nas fábricas. Já na URSS, a participação feminina nas fábricas passou de 26% para 46%. Na Áustria, em torno de um milhão de mulheres passaram a atuar nas indústrias. Na França, onde já havia um número significativo de mulheres trabalhando, houve um aumento de 20% na participação feminina. (Colégio Técnico - UFMG, 2009, §3)
No início, a sua participação era voluntária, contudo, com o agravamento da guerra elas passaram a ser recrutadas. O que pode causar estranheza para alguns é que muitas mulheres queriam ser convocadas para a Guerra. Elas desejavam ajudar a defender a sua pátria. Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), por exemplo, algumas mulheres soviéticas pediram diversas vezes para atuar na linha de frente. Contudo, seus pedidos sempre eram negados, até que, como supracitado, por conta do agravamento da guerra, elas passaram a ser recrutadas. (ARMENI, 2019).
Contudo, o que é necessário ter em mente, é que a realidade das mulheres nessas guerras foi totalmente diferente. Elas sofreram preconceitos, foram abusadas, e passaram por problemas que homens não passaram, como o ciclo menstrual. Um ponto importante, que a autora Svetlana Aleksiévitch aponta no seu livro A guerra não tem rosto de mulher, é que o modo com as mulheres vivenciam alguns eventos é totalmente diferente da maneira que os homens vivenciam.
A experiência feminina sempre foi negligenciada na academia, tanto que nós estudamos a guerra pela perspectiva masculina, nunca pela feminina, ou então pela população negra e/ou LGBTQIA +. Dessa maneira, é essencial que cada vez mais estudos estudem a guerra e outros setores pela perspectiva dessas minorias.
A guerra pela perspectiva feminina
Os desafios enfrentados pelas combatentes começa logo quando elas ingressam na área onde irão trabalhar. Tomando como exemplo as mulheres que vão para a linha de frente. Por conta do machismo estrutural, elas recebiam equipamentos antiquados, como no caso do Regimento Feminino Russo, que foi forçado a trabalhar com um bimotor antigo e obsoleto, enquanto o Regimento Masculino utilizava os equipamentos mais atuais que tinham.
Além disso, nem mesmo as vestimentas eram feitas para elas. As roupas eram três vezes o seu tamanho; os sapatos eram tamanho 43, sendo que a maioria das mulheres calçava até no máximo 37; e roupas íntimas não existiam. Só quando a guerra já estava no fim é que elas de fato receberam roupas de baixo. Ainda na questão das aparências, todas elas eram obrigadas a cortar o cabelo no estilo militar, bem curto. Naquela época, a aparência feminina era algo bem padronizado. Havia aquela crença de que “mulheres de família” deveriam usar vestidos, ou saias, e deveriam ter o cabelo comprido. Dessa maneira, o corte de suas longas madeixas foi a retirada de parte da sua feminilidade, levando em consideração o que era considerado feminilidade na época. (ARMENI, 2019)
Na questão da saúde, as mulheres enfrentaram problemas a mais que os homens. Ambos sofreram com fome, doenças, falta de água, ferimentos de guerra, problemas psicológicos, entre outros. Contudo, há uma questão biológica particular das mulheres: a menstruação. Além da ausência de absorventes e remédios para auxiliar a diminuir os sintomas desse período, o estresse sofrido durante a guerra afetou o funcionamento biológico de seus corpos, fazendo com que algumas não menstruassem por anos.
Um ponto delicado, triste e revoltante é que além dos problemas supracitados, as mulheres também são abusadas sexualmente durante esses conflitos, tanto como “tática de guerra” como para satisfazer os homens que “precisam espairecer”. Infelizmente, a violência sexual não é recente, mas tem sido utilizado na contemporaniedade intencionalmente, em larga escala, e de maneira sistêmica com o objetivo de eliminar uma comunidade ou grupo étnico. Na Segunda Guerra Mundial a violência sexual foi utilizada pelos russos como “revanche”, porque mulheres russas haviam sido violadas, logo, como uma forma de vingança, eles violaram as mulheres do Estado que havia cometido esse crime com russas. (ALVES, 2012, p.13)
Não só pelas dificuldades enfrentadas durante as guerras as mulheres ficaram conhecidas. Elas também chamaram a atenção por conta de sua coragem, determinação e importância que tiveram nos rumos da guerra. Tanto na espionagem quanto na linha de frente das guerras, elas fizeram seu nome.
As Bruxas da Noite na Segunda Guerra Mundial
Um grupo de mulheres não muito conhecido fez história na luta contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Elas eram chamadas de Bruxas da Noite. Formado por mulheres, um regimento feminino aéreo russo foi criado em 08 de outubro de 1941, passando a operar no ano seguinte. O regimento 588 é dividido em três setores, com cerca de 400 mulheres cada: caças-bombardeiros, “aviões capazes de realizar ataques à terra e sustentar batalhas aéreas” (ARMENI, 2019, p.67); bombardeiros; e polikarpov, feito para bombardeio noturno.
O polikarpov era um bimotor simples e antiquado, projetado um pouco depois da Primeira Guerra, e que era até aquele momento utilizado para borrifar produtos químicos em áreas agrícolas. As mulheres do regimento sabiam que a aviação soviética possuía modelos mais atualizados e sofisticados do que o bimotor que lhes fora designado. Essa situação mostra como as mulheres não eram levadas a sério na guerra. Contudo, mesmo com este pequeno avião rural elas conseguiram realizar ataques impressionantes.
Após o primeiro voo oficial elas não receberam mais nenhuma baixa, e sempre conseguiam conquistar seus objetivos. Elas adquiriram experiência, e passaram a confiar na sua força e organização. Os nazistas tinham medo delas por conta do seu modo de ataque. Além de atacar sempre à noite por ser mais fácil de agir sem serem vistas, cada polikarpov do regimento era carregado com um certo número de bombas, que eram lançadas em acampamentos nazistas sem que os alemães sequer vissem quem os atingiu. Suas bombas causaram medo e surpresa tão inexplicáveis aos nazistas, que as mulheres do regimento aéreo russo foram comparadas a “figuras místicas, más e dotadas de poderes sobrenaturais” (ARMENI, 2019, p.179). É daí que vem o nome Bruxas da Noite.
FIGURA 1 - Bruxas noturnas do regimento feminino de aviação da URSS - um regimento de bombardeiros das tropas da URSS, consistindo apenas de mulheres
Apesar desse protagonismo que elas tiveram, totalizando 23.000 voos e 1.100 noites de combate, logo após a guerra elas foram esquecidas. Elas ganharam condecorações e reconhecimentos, contudo, dois meses após o fim da Segunda Guerra, foram “desmobilizadas”. O regimento 588 queria continuar no regimento aéreo, mas o presidente do Soviete Supremo, Mikhail Kalinin, já havia tomado a decisão por elas, desligando-as do programa e dando um “conselho”, que era para elas pusessem de lado o que haviam vivido na guerra, que não se vangloriassem e nem falassem sobre os trabalhos que elas prestaram. De acordo com Kalinin, as mulheres soviéticas agora tinham outra missão: “servir a pátria como mulheres e mães” (ARMENI, 2019, p.227).
A partir de tudo que foi exposto neste texto, é possível concluir que as mulheres são apagadas da história, não importa o que elas façam. Suas dificuldades não são ouvidas, e suas vitórias são deixadas de lado. Muitas pessoas não conhecem a história das Bruxas da Noite justamente por conta desse processo de ocultação da sua história. Por conta disso é extremamente necessário que cada vez mais pessoas deem voz para as mulheres que lutam/lutaram nas guerras e para as dificuldades que elas enfrentaram/enfrentam.
Referências bibliográficas: ALEKSIÉVITCH, Svetlana. A guerra não tem rosto de mulher. Companhia das letras. São Paulo, 1° ed. 2016.
ALVES, Fernanda Barreto. Do corpo político à política do corpo: o uso da violência sexual como estratégia de guerra no genocídio ruandês de 1994. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012.
ARMENI, Ritanna. As bruxas da noite: a história não contada do Regimento Aéreo Feminino Russo durante a Segunda Guerra Mundial. Seoman: São Paulo, 2019.
ESPÍNDOLA, Gabriela. A trajetória do poder da mulher: do lar ao mercado de trabalho. Curso de especialização em gestão de equipes.
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