Por: Naomi Napuri
“Sentada aqui em uma prisão Russa, sozinha com meus pensamentos e sem a proteção da minha esposa, família, amigos, uniforme Olímpico, ou qualquer conquista, eu estou aterrorizada pela possibilidade ter que ficar aqui para sempre” Brittney Griner em carta escrita para o presidente Joe Biden, julho de 2022.
Em março de 2022 as autoridades russas divulgaram que uma jogadora de basquete estadunidense havia sido detida em um aeroporto nas proximidades de Moscou. As autoridades alegavam ter encontrado óleo de cannabis em uma das bagagens da atleta, e então a acusam de contrabando de substância narcótica, sendo um crime cuja sentença pode ser de até 10 anos de prisão.
Brittney Griner, 31 anos, 2x campeã olímpica e 1x campeã da WNBA pelo Phoenix Mercury, time no qual atua desde 2013, foi detida no dia 17 de fevereiro. Apenas uma semana antes da invasão russa à Ucrânia. Com a detenção ocorrendo poucos dias antes da invasão à Ucrânia, levanta-se o questionamento do real motivo da detenção de Griner. A atleta que atua pelo time russo UMMC Ekaterinburg teria mesmo cometido tal infração ou sua detenção foi politicamente incentivada?
Nos últimos anos, oficiais estadunidenses acusam a Rússia de prender e sentenciar cidadãos americanos tendo como base acusações que tais oficiais acreditam serem forjadas. Com a detenção de Griner, ocorrida apenas uma semana antes da invasão russa à Ucrânia, especialistas acreditam que a detenção de uma cidadã estadunidense de alto-perfil pode ser uma estratégia russa para obter certa vantagem no impasse político-econômico com Washington em relação às sanções impostas à Rússia. Mas não foi até quase três meses depois da detenção que o governo dos Estados Unidos passou a tratar o caso de Brittney Griner com seriedade. No dia 3 de maio oficiais do Departamento de Estado dos Estados Unidos declararam que Brittney Griner havia sido detida de forma injusta sendo então o caso agora de responsabilidade do escritório especial para assuntos de reféns. O primeiro dia do julgamento de Griner fortalece a acusação de detenção injusta ao revelar que nos pertences da atleta, havia sido encontrado 0.7 gramas de óleo de cannabis. A apreensão dessa quantidade normalmente significa apenas uma multa, e não uma sentença rigorosa de 9 anos, na qual Griner foi sentenciada.
Especialistas também destacam o interesse do Kremlin em Viktor Boult, um vendedor de armas russo, que atualmente cumpre sentença de 25 anos nos Estados Unidos por vender armas para terroristas que tinham como alvo cidadãos americanos (GANGULI, ABRAMS e BUBOLA, 2022). Uma troca de prisioneiros deixou de ser apenas uma especulação quando o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, e o Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov iniciaram oficialmente conversas sobre a troca no início de agosto. Porém mostrar-se disposto a uma troca de prisioneiros poderá resultar em mais problemas no futuro para os Estados Unidos. Ao concordar em entregar um detendo que cumpre pena por terrorismo, acredita-se que isso apenas incentivaria a Rússia a continuar detendo cidadãos americanos já que os Estados Unidos mostraria-se disposto a trocar prisioneiros com grande dispariedade de pena.
Já para Goretti (2022), a detenção de Griner pode significar uma forma de retaliação contra o impedimento de atletas russos na participação de competições internacionais após a invasão à Ucrânia. O uso político do esporte internacional é uma das principais características da Rússia de Putin, onde através do esporte o governo russo busca reforçar a legitimação do seu governo em seu território e o prestígio no cenário global do esporte. O uso do esporte para fins políticos também inclui a organização de grandes eventos, que pode servir como uma forma de reforçar o poder de uma país em nível global, gerando também soft power para o país. Com a importância que o esporte exerce nos planos de governo de Putin, a detenção de Griner pode ser vista como uma forma de retaliar os boicotes contra os atletas russos nas recentes competições internacionais.
Embora o esporte seja considerado neutro nas sanções impostas a diversos países, para Goretti (2022) essa neutralidade é falsa. Para o autor, os boicotes aos atletas russos iniciados pelos países do Ocidente, retira a neutralidade do esporte das questões do sistema internacional. Uma vez que esses países utilizam dos boicotes para reforçar o seu posicionamento sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, deixando claro de qual lado está, até mesmo no esporte.
Além das implicações na política internacional, a detenção de Griner traz à tona um dos grandes problemas do esporte: a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Brittney Griner, assim como diversas jogadoras da WNBA, dividem seu ano jogando profissionalmente nos Estados Unidos e na Europa. Isso ocorre pois os salários da liga feminina de basquete americana são baixíssimos em comparação com a liga masculina. Uma atleta da WNBA pode ganhar, por temporada, no mínimo U$ 60,471 e no máximo U$ 228 mil. Já na liga masculina o mínimo que um atleta pode ganhar, também por temporada, é U$ 925,00, e os salários máximo começam em U$28 milhões, podendo ultrapassar os U$ 50 milhões. A alternativa encontrada por Griner, e também por outras atletas, é atuar para times de outros países, onde são melhores compensadas em relação aos Estados Unidos. Cherelle Griner, esposa de Brittney Griner, diz que a atleta adoraria não precisar jogar basquete fora do país, mas joga pois apenas com o salário que recebe de seu time da WNBA não seria o suficiente para o seu sustento.
Aproximando-se do marco de 5 meses de detenção, o julgamento de Griner teve início na primeira semana de julho onde a atleta declarou-se culpada das acusações. Especialistas afirmam que declarar-se culpada é uma estratégia essencial para o possível retorno da atleta aos Estados Unidos. A demora na resolução do caso por parte dos Estados Unidos é alvo de críticas do público e também da família da atleta. Para Cherelle Griner, o governo estadunidense não tem feito grandes esforços para trazer Brittney Griner de volta para o país. Brittney Griner escreveu então para o presidente Biden uma carta escrita à mão onde em trechos que foram divulgados, a atleta pedia ajuda para o presidente e dizia também sentir medo da possibilidade de ter que ficar presa na Rússia para sempre.
Ao falar sobre o caso de Griner, treinadores e executivos do Phoenix Mercury afirmam que se um atleta da liga masculina estivesse detido no lugar de Griner, os Estados Unidos não teriam demorado tanto para agir. Enquanto o governo falhava com Brittney Griner, coube aos executivos da WNBA e da NBA a tentativa de chegar a uma resolução para a detenção.
O caso de Brittney Griner revela o quanto o governo é falho com uma mulher, nem mesmo sendo considerada uma pessoa de alto perfil muda isso. Sem a proteção da camiseta olímpica, a detenção de Griner levanta o questionamento: existe algo que uma mulher preta e lésbica possa fazer para receber a atenção merecida de seu governo quando as conquistas de Griner para o seu país parecem ainda não ser o necessário?
REFERÊNCIAS:
ABRAMS, Jonathan; CROWLEY, Michael. Brittney Griner, Star W.N.B.A. Center, Is Detained in Russia. The New York Times, New York, jul. 2022. Disponível em: https://www.nytimes.com/2022/03/05/sports/basketball/russia-brittney-griner.html Acesso em: 8 jul. 2022
GANGULI, Tania; ABRAMS, Jonathan; Emma Bubola. What We Know About Brittney Griner’s Detention in Russia. The New York Times, New York, jul. 2022. Disponível em: https://www.nytimes.com/article/brittney-griner-russia.html. Acesso em: 8 jul. 2022
GORETTI, Leo. The Sporting Sanctions against Russia: Debunking the Myth of Sport’s Neutrality. Istituto Affari Internazionali. Roma, v. 9, [s.n], [s.p], Maio, 2022. Disponível em: https://www.iai.it/en/pubblicazioni/sporting-sanctions-against-russia-debunking-myth-sports neutrality Acesso em: 5 jul. 2022
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